O passado certamente não é um bom lugar para se viver. Mas convém visitá-lo de vez em quando. Reencontrar, nas comemorações da Tomada – prefiro Conquista – de Monte Castello, os remanescentes dos vinte e cinco mil pracinhas que lutaram na Itália, propiciou-nos retornar a um momento importante da nossa história.
A mistura explosiva de um orador fluente e de um país mergulhado no caos, devido às pesadas restrições que lhe foram impostas em Versalhes, havia levado à ditadura nazista. Com a ajuda de Joseph Goebbels, espécie de marqueteiro da época, tornou-se fácil a conversão do povo alemão. Hitler governou com poderes ilimitados. E deu no que deu: quarenta e cinco milhões de mortos.
O 21 de fevereiro de 1945 foi um dia de glória para os brasileiros. Finalmente, a bandeira verde e amarela fora hasteada em Monte Castello, para não mais sair. As inúmeras baixas sofridas nos quatro ataques anteriores não haviam intimidado nossos soldados. Ao contrário, deram-lhes mais ânimo e coragem para enfrentar as tropas alemãs, entricheiras em posições elevadas e fortemente artilhadas. A quinta tentativa não poderia falhar, como não falhou. Abria-se, enfim, o caminho para Bolonha. O Exército de Hitler estava agora praticamente derrotado no front italiano.
A serenidade dos octogenários pracinhas fundamenta-se no orgulho de terem ajudado a pôr fim na louca aventura nazista. Eles sabem o frio que passaram, a saudade que sentiram e o medo que venceram. Somente eles, mais ninguém, principalmente os que estavam nas trincheiras opostas, a quem era preciso mostrar, a qualquer custo, que não existe raça superior ou inferior. Só eles sabem o quanto custou a vitória. Só eles vivenciaram aquele momento único, triunfal, de fincar, lá no alto do Monte Castello, a bandeira do Brasil.
A participação brasileira na II Grande Guerra pode ser considerada pequena, mas foi significativa. Fomos o único país da América do Sul a estar efetivamente presente no teatro de operações.
Tivemos 451 mortos, o que não foi pouco. Num exercício de imaginação, vamos supor que os 451 ressuscitassem agora. Iriam surpreender-se, pois o mundo avançou séculos nos sessenta e seis anos que ligam aqueles difíceis tempos aos atuais. Ficariam orgulhosos ao ver como industrializou-se o Brasil rural da década de quarenta. Dos inúmeros avanços tecnológicos, possivelmente a televisão seria o que lhes chamasse mais a atenção.
Ao saberem das novidades sobre política, pensariam estar no Saara, tamanho é o atual deserto de dignidade. Nos intervalos dos telejornais, veriam que os marqueteiros continuam em moda, tanto se esbanja o suado dinheirinho do contribuinte para a autopromoção dos nossos dirigentes.
Ao assistirem às matérias sobre a revolta na Líbia, observariam que o Mediterrâneo continua importante e conflituoso. Ficariam revoltados quando soubessem que o ditador líbio ordenou à sua força aérea que bombardeasse seus próprios compatriotas.
Se lhes fossem mostradas fotografias de algum ex-presidente do Brasil sorrindo alegremente junto ao senhor Kadaffi, nos perguntariam: ele ri de quê? Não saberíamos responder. Eles, que deram a vida pelo Brasil e pela liberdade, nos olhariam com desprezo e voltariam correndo ao seu altivo passado.