Doutor Francisco, da Lapa (parte II)

Mas, não lhe bastava o desempenho correto do cotidiano advocatício. O Dr. Francisco participava dos anseios comunitários. No final dos anos quarenta foi um dos maiores incentivadores no surgimento do curso ginasial (equivalente hoje ao período de 5a a 8a séries) que, inexistindo na cidade, obrigava expressiva parte da população a se contentar com o curso de primeiras letras para os seus filhos. Francisco e outros tantos lapeanos lutaram com denodo até conseguirem o primeiro ginásio, preliminarmente sob administração da Sociedade de Ensino Novo Ateneu e depois sob a égide do Governo do Estado. O Dr. Francisco, prazerosamente se transmutou em mestre e se colocou à disposição para dirigir os primeiros passos da novel entidade.

Foi vereador do Município. Na casa de leis, estava mais que à vontade. Era o seu campo. Os projetos, as redações provisórias ou finais, passando pelo crivo do vereador Lacerda, se transformavam em documentos de expressão castiça, a suprir, de modo esplendente, as necessidades comunitárias.

Coproprietário, empenhou-se com a maior constância para que se consolidasse a doação da Casa Lacerda, hoje um museu, imensamente didático a ensinar, através o mobiliário, as alfaias, o aparato de cozinha, a forma de vida de uma família nas últimas centúrias, a partir de meados do século dezenove.

Entre os movimentos sociais aos quais se arregimentava como voluntário, o Dr. Francisco sempre dedicou um carinho ímpar a uma entidade que, instituída para lidar com menores carentes, levou (e leva) o nome de seu pai, como patrono. É a casa da criança “José Lacerda”, sua abarcante prioridade. Sempre que a organização precisou de Francisco, recebeu, de imediato, o apoio solicitado.

Seu curriculum vitae era tão abrilhantado, seus méritos tão notórios, que ele poderia, com alicerces no reconhecimento de liderança lhe devotado, placidamente, descansar. Pois não foi o que aconteceu. Nos anos 60, Ney Braga, recém-eleito governador do Estado, quando da escolha do secretariado, não titubeou, incluiu entre os primeiros, o nome do advogado Francisco Brito de Lacerda. Foi, por longos anos, diretor do Departamento de Assistência Técnica aos Municípios (DATM), repartição das mais imprescindíveis, diretamente atrelada à solução de problemas atinentes a todas as localidades do Paraná. Era um módulo governamental, com foros de secretaria. E Brito de Lacerda foi um proficiente secretário. Ainda, na esfera de governo, em períodos diversos, o nosso Doutor exerceu funções de Diretor da Imprensa Oficial e também do Arquivo Público. O elenco de suas obras ou inovações teria que merecer edição especial de volumes infindos. Citaremos apenas uma de suas tantas realizações, que reputamos de extraordinária relevância. Quando na Imprensa Oficial, o Diretor Lacerda começou a editar em formato de tomos encadernados, fac-similes do jornal “O Dezenove de Dezembro”,- trabalho esse, de uma utilidade sem precedentes, mormente àqueles que queiram se inteirar de hábitos e costumes do Curitibano e do paranaense, a partir de 1.853, quando aconteceu a emancipação política do Estado.

Mesmo com afazeres múltiplos, vários deles alonjados de sua profissão, Francisco continuava advogado atuante, e, como tal, disputou a direção da OAB- Seção Pr., tornando-se um presidente de profícuo mandato frente à associação da classe.

Gostava também de escrever. Suas deliciosas crônicas emolduravam os exemplares dominicais da Gazeta do Povo. Escritor, historiador, brindou-nos com obras inolvidáveis. No rol, entre outras: “Espada de Mentira”, “Alçapão das Almas”, “Cerco da Lapa – do começo ao fim”, e “Pedra Partida”. Sobre “Espada de Mentira”, o escritor Pedro Nava, dos mais respeitados no país, em correspondência de 18 / 11 / 80, ressalta :- “Sua técnica de contar fatos reais numa prosa que parece ficção é uma inovação precursora na nossa memorialística.”

Lamenta-se o distanciamento, principalmente dos jovens que não chegam a conhecer escritos de tal jaez e quilate. Os próprios estabelecimentos de ensino deveriam encaminhar os postulantes de vaga universitária para leituras tão agradáveis, e ao mesmo tempo direcionadas ao aperfeiçoamento do redigir. Para nós, lapeanos, há um sabor sui generis no repasse dos contos e crônicas de Francisco. Mesmo nas oportunidades em que o autor se entranha nas profundezas da ficção, ele não resiste: encaixa um outeiro, uma escarpa, um pedaço de céu, uma volta de estrada, parecidos com os existentes na sua terra natal. Tinha o vício de ser lapeano e o compromisso de ser amigo. Amigo incondicional.

Mais de dez anos são transcorridos desde que Francisco nos deixou. Cumprida sua missão terrena, ora reside, com certeza, em páramos privilegiados onde a eternidade se configura como justa premiação dos que optaram pelo bom combate.

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