Você se acostumou com tanta rapidez?

Quantas coisas na sua vida, agradáveis ou desagradáveis, continuam acontecendo, simplesmente porque você se “acostumou” com elas?

Pense sobre como as pessoas se “acostumam” com tantas coisas e veja o que certa vez Clarice Lispector escreveu em “Eu sei, mas não devia”.

Por isso eu quero dizer a você que não deveríamos simplesmente nos acostumar com coisinhas simples e naturais como ver o tempo passar. Pois quando isso acontece, acaba-se acostumando também com tantas outras coisas.

Como por exemplo: Ver mais um dia passar, uma semana e até um mês passar. Como ver um ano passar, como ver a vida passar.

Ah, mas que perigo há nisso?

O maior perigo é você se acostumar a não viver a vida como gostaria, e quando perceber, já passou!

Eu sei, mas não devia, já disse Clarice Lispector.

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender cedo A luz. E à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

Se acostuma a ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.

A tomar o café correndo porque está atrasado. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E saber que cada vez pagará mais. E procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. Luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias de água potável. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma.

Ei, você não acha que já está na hora de não se acostumar com coisas que realmente não quer para sua vida?

Pare, pense, reaja. Não se permita acostumar-se.

Será que a vida não pode ser reinventada a cada manhã? Tá bom, a cada semana, uma vez por mês, pelo menos uma vez por ano?

Com o que você se acostumou ou se acostumará?

Até quando?

-O-O-

“A vida é maravilhosa se não se tem medo dela”.

(Charles Chaplin)

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