No mundo da dependência química o português, nossa língua materna, se vai para o espaço. As pessoas envolvidas com drogas deixam de utilizar a língua portuguesa e passam e se expressar em outro idioma, não conhecido para nós seres humanos normais. Vivem em outro mundo.
Trabalhando já há catorze anos com dependentes químicos, desenvolvi uma maneira própria de lidar com este tipo de situação e de tentar traze-los novamente para o mundo dos seres humanos normais, isto é, que retomem novamente a falar.
A fala tem se mostrado um dos nossos maiores dons. Através da fala nós conquistamos a nossa identidade. Você conhece uma pessoa a partir daquilo que ela diz e de como ela diz. Qual o vocabulário que ela usa e como o usa. A fala tem um valor inestimável para o ser humano. Somos os únicos neste planeta capazes de expressar idéias, e isto através da fala. Todos os animais emitem sons, mas só o ser humano é capaz de expressar conceitos através dos sons emitidos.
Por isso, quando um residente me diz:- “pódi crê”, eu respondo: – eu posso, e você ? Pode crer também? Levar uma pessoa a pensar o que esta falando é uma experiência fantástica. Quando alguém diz: -“ta me tirando mano ?” , eu logo respondo: -“mas eu nem coloquei ainda, como é que já posso estar tirando? E o famoso “tá ligado?”, eu logo intervenho: -” não, se deixar ligado tanto tempo vai queimar, já estou desligando “. Uma maneira de fazer com eles pensem no que estão falando e não que apenas repitam como papagaios o que ouviram”.
Além da gíria ainda existem os palavrões. Como um povo que só sabe se expressar através de palavrões poderá conquistar alguma coisa em sua vida? Então temos a famosa “…oda”, que toda vez que ouço sou obrigado a explicar que isso que a pessoa falou é o intercurso do órgão sexual masculino no órgão genital feminino para procriação ou produção de prazer. Sempre. As vezes explico que a outra coisa que a pessoa está fazendo e jogando dominó ou futebol e ainda pode ser um trabalho ou outra coisa. Também tem aqueles que vivem com o “…aralho” na boca. Deve ser horrível.
Bem, o que quis exemplificar que, sem o vernáculo pátrio não se vai muito longe. Tentamos ensinar aos nossos residentes que através da comunicação se conquista tudo e como dizia o velho Salomão: “O poder da vida e da morte está na língua”
( Prov 18.21).