Dilma Rousseff, mulher de sorte

Nesta semana, o Bate Papo traz uma contribuição sugerida pelo leitor do pequeno Grande, Coronel Muniz, com texto de Elio Gaspari, publicado em 06/08/2014 no jornal Folha de São Paulo.

O texto retrata um pouco da história política do país e vale a pena para conhecimento de todos os cidadãos brasileiros. Confira:

“O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro concluiu o inventário do arquivo do

presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), coordenado pela professora Regina Wanderley. Ele contém 475 itens documentais e centenas de fotografias. O acervo foi doado em 2004 ao instituto por Roberto, filho e assessor especial do general.

No meio da papelada há a cópia de uma lista apreendida na casa de um dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária, provavelmente em maio de 1970. Nela estão os nomes de 28 presos de São Paulo que deveriam ser libertados em troca de um embaixador cujo sequestro planejava-se. O 27º nome era o de Dilma Vana Rousseff, a “Estela”, da VAR-Palmares, presa desde janeiro.

A “tigrada” do DOI sabia que se organizava um sequestro. Sabia também que a vítima passava pela rua Cândido Mendes, na Glória. Num dos maiores frangos do período, não impediu o sequestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, em junho. (Pela rua Cândido Mendes passavam três embaixadores, ele, o núncio apostólico e o argelino.)

Holleben foi trocado por 40 presos, mas da lista de 28 entraram só seis. Se Dilma tivesse sido mantida no grupo, teria ido para a Argélia e só retornaria ao Brasil em 1979, depois da Anistia. Sua vida teria sido outra, pois acabou libertada em 1972, foi para o Rio Grande do Sul, passou pela Unicamp, militou no PDT, na campanha pela Anistia e empregou-se na Fundação de Economia e Estatística do governo gaúcho.

Esse pode ter sido seu segundo momento de sorte. Se uma tentativa de sequestro do cônsul em Porto Alegre tivesse dado certo, o seu líder, Fernando Pimentel, muito provavelmente teria incluído a amiga na lista dos presos a serem trocados. (O diplomata jogou o carro em cima dos sequestradores, tomou um tiro, mas foi para casa.)

No arquivo de Médici há outras pérolas. Lá, confirma-se a história segundo a qual ele guardava dois telegramas de senadores do partido governista expedidos depois da edição do Ato Institucional nº 5. Era um amuleto para lembrar-lhe a fidelidade dos políticos. No primeiro, 20 protestavam. No segundo, 34 apoiavam o AI-5. Até aí, jogo jogado, mas sete assinaram os dois. Médici guardou também uma representação do ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, ex-reitor da Universidade de São Paulo e ex-diretor de sua Faculdade de Direito, propondo a cassação dos 20 signatários do primeiro telegrama. Passaria na lâmina figuras como Milton Campos, Ney Braga, Daniel Krieger, Carvalho Pinto e Teotonio Vilela. Se “Gaminha” tivesse prevalecido, a ditadura tomaria outro rumo, mais radical.

Ainda há áulicos sustentando que Médici nada teve a ver com a tortura praticada durante seu governo. É uma conversa fiada implausível. Ele guardou pelo menos três lotes de documentos denunciando o que sucedia nas prisões. Se nada fez, e no inventário não há registro disso, o problema ficou para sua biografia.

O arquivo de Médici confirma sua personalidade obsessivamente austera. Cauteloso, deixou poucas anotações manuscritas, mas guardou um grampo telefônico, registrado pelo apelido palaciano de “Dragão”. Um príncipe italiano aparentado com a casa florentina dos Medici perguntou-lhe numa carta se descendia dessa linhagem. Ao que tudo indica, não respondeu.”

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