Cunha desmoraliza o impeachment

Quando um presidente da Câmara pego na mentira e que está à beira de um processo de cassação por quebra de decoro parlamentar afirma que vai, finalmente, aceitar um dos vários processos de impeachment de Dilma Rousseff após ter jogado com eles por meses, que outra conclusão podemos tomar senão a de que estamos diante do mais bisonho episódio da vida política brasileira? Quando Brasília vira uma mistura de novela mexicana e máfia italiana, com suas tramas movidas a crimes, paixões e vingança, que esperança um brasileiro pode colocar em sua classe política?

Não que o impeachment não seja necessário. Há crimes de responsabilidade concretos, e não apenas mera incompetência (que, por mais grave que seja, nem seria causa de impeachment). Cunha, num modelo “morde e assopra”, até afirmou ter rejeitado diversos pedidos apresentados à Câmara antes de aceitar a peça assinada por Miguel Reale Jr., Hélio Bicudo e Janaina Paschoal, reescrita para contemplar as “pedaladas” cometidas por Dilma em 2015. Na verdade, mesmo o pedido que se baseava apenas nas irregularidades de 2014 – analisadas pelo Tribunal de Contas da União, que emitiu parecer recomendando ao Congresso que rejeitasse as contas – já deveria ter sido aceito; não compartilhamos da tese de que o início de um segundo mandato livra o governante de responder por crimes de responsabilidade cometidos no primeiro mandato.

Mas Cunha nunca esteve muito interessado nas considerações técnicas em favor do impeachment; para ele, deixar a espada pendendo sobre a cabeça de Dilma era conveniente apenas para preservar seu próprio mandato, ameaçado pela Lava Jato e pela representação no Conselho de Ética que pede a sua cassação. Ou alguém crê nas palavras de Cunha quando ele diz que sua decisão não foi movida por interesse pessoal? Justo quando o PT anuncia que seus deputados no Conselho de Ética, considerados decisivos no xadrez da cassação, votariam contra Cunha?

O presidente da Câmara, assim, desmoraliza totalmente uma aspiração legítima e bem fundamentada, manchando-a com suas estratégias chantagistas e pelo desejo pessoal de vingança contra um partido que resolveu deixá-lo na mão. É possível recuperar essa legitimidade? Sim, ainda mais considerando que movimentos como esse podem tomar uma dinâmica própria à medida que se desenrolam – e, se isso ocorrer, oxalá seja sem a presença de Cunha. Mas a situação atual não dá muita esperança. Se já causava nojo o “acordão” costurado por Lula, Rui Falcão, Cunha e Renan Calheiros e que durou por alguns meses, causa nojo igual perceber, neste episódio do impeachment, que a política brasileira, para o bem (se houver algum) e para o mal, se move não pelo interesse do país, mas pelo instinto de autopreservação, em que políticos se comportam mais como animais de documentário, desses que percorrem as savanas à procura de uma presa ou fugindo dos predadores.

A essa altura, discutir se foi o PT quem queimou os navios ao anunciar que votaria contra Cunha ou se foi Cunha quem acabou com o namoro ao aceitar um pedido de impeachment é recordar aquelas brigas infantis entre irmãos. E, se formos pensar bem, Cunha, Lula, Falcão, Dilma, Calheiros poderiam muito bem formar uma família: cada um à sua maneira, eles se irmanam na chantagem, na política rasteira, no fisiologismo, na incompetência, no desapreço às instituições, na falta de escrúpulo em afundar o país na lama.

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