É impeachment, mas poderia ser justa causa

Que tal pensar no impeachment como uma questão trabalhista e não política, só por um instante?

 

Os trabalhadores e trabalhadoras precisam cumprir seus deveres para que possam fazer jus a seus direitos. O fiel da balança sempre são os deveres, já que muitos empregadores possuem olhos menos afiados para os direitos de seus empregados.

Muita gente tem discutido que a “incompetência” de um ou uma Presidente da República não pode ser combatida com impeachment, mas sim com pressão para que a gestão seja mais eficiente. Mas no caso de Dilma alguns juristas, principalmente os que assinaram o pedido de impugnação do mandato, identificaram causas que vão além da incompetência para que ela fosse “dispensada”.

A Presidente Dilma Rousseff trabalha representando todos os brasileiros. Ela está cumprindo com seus deveres para fazer jus a seus direitos (e regalias) e justificar a confiança colocada nela pela sociedade que a elegeu (a empregou)?

Se estivéssemos falando não de uma presidente e um país, mas sim de uma trabalhadora em regime de CLT e uma empresa, estamos diante de uma dispensa por justa causa. É óbvio que a “dispensa“ no impeachment é baseada em um processo mais longo e desgastante para comprovar a falta grave, mas seria um motivo para que o vínculo empregatício fosse encerrado motivadamente e – caso estivéssemos realmente falando de uma relação empregatícia – haveria uma influência marcante nas verbas rescisórias.

O artigo 482 da CLT lista as situações que podem gerar uma justa causa: Ato de improbidade; Incontinência de conduta ou mau procedimento; Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; Condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; Desídia no desempenho das respectivas funções; Embriaguez habitual ou em serviço; Violação de segredo da empresa; Ato de indisciplina ou de insubordinação; Abandono de emprego; Ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; Ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; Prática constante de jogos de azar.

O primeiro item da lista é o que mais se aproxima do que Dilma Rousseff tem sido acusada e, inclusive, está entre os crimes de responsabilidade que ensejam impeachment, na lei 1.079 de 1950.

O crime de responsabilidade em questão foi o desrespeito à Lei de Diretrizes Orçamentárias no ano de 2014, já que a presidente falhou em observar os limites estabelecidos para que o governo federal pudesse gastar.

É como se, numa rede varejista, ela tivesse gasto todo o orçamento previsto pela loja para a aquisição de um determinado estoque e ainda tivesse contraído dívidas contra a vontade e as orientações do patrão. Como você lidaria com uma trabalhadora que tivesse tal postura?

 

Dispensa por justa causa por ato de improbidade

No caso da Lei do Impeachment é muito fácil identificar esses atos, já que eles estão expressamente listados art. 9º da lei 1.079 de 1950.

Na seara trabalhista, no entanto, improbidade é todo ato que vá de encontro à lei, à moral ou aos bons costumes (sentido subjetivista) e que interfira diretamente sobre o patrimônio da empresa ou de terceiros (sentido objetivista). No nosso exemplo, ainda que tenha adquirido o estoque para o estabelecimento empregador a trabalhadora violou diretamente as restrições orçamentárias impostas, causando prejuízo para a empresa. É possível sua dispensa por justa causa.

Portanto, podemos dizer que pratica ato de improbidade o trabalhador que vise se apropriar indevidamente de algo de outrem, sobretudo de seu patrão, seja mediante uso de violência (roubo), subrepticiamente (furto), através de fraude, estelionato, extorsão etc., desgastando definitivamente a mínima confiança que era nele depositada.

Bem, tanto quando se fala em Direito do Trabalho, quanto em Direito Constitucional, podemos pensar em faltas graves que ensejam consequências drásticas como elementos que podem gerar esse tipo de dispensa. Bem que o impeachment de Dilma poderia ser uma dispensa por justa causa com um processo muito menos complicado, não é mesmo? Mas não é.

 

E quando a dispensa por justa causa é indevida?

É importante lembrar que toda e qualquer justa causa atribuída ao empregado exige prova contundente, robusta, isto é: que seja capaz de afastar qualquer dúvida a respeito do ato faltoso, bem como da sua autoria. Sem esses elementos a justa causa não pode ser caracterizada.

O Impeachment, na prática, é um caminho sem volta, já a dispensa justa causa do seu cliente não. Quando a demissão por justa causa é imotivada é fácil revertê-la exigindo o pagamento das verbas rescisórias e reparação por danos morais.

 

 

*Maria Helena, Advogada – texto publicado em http://mariahs.jusbrasil.com.br/artigos/265382195/e-impeachment-mas-poderia-ser-justa-causa?

 

 

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