Lembranças na velhice

A gente vai ficando velho e passa a recordar de fatos que existiram no passado, que eram normais e, com o modernismo, foram sendo extintos. E que, por simples que eram, deixaram saudades ao recordá-los. A vida moderna ou hodierna extinguiu costumes, modificou padrões de vida, aumentou a existência de casas nas quadras, extinguiu para sempre aquilo que há séculos era padrão na vida do ser humano.

Há 30, 40 anos havia no fundo dos quintais das casas dezenas de galinhas, e os galos, à chegada da aurora, iniciavam seus cantos, ora cantando expressando sua maviosa voz, ora cantando desafiadoramente, mostrando ser ali seu reino encantando de majestade. Assim, de manhã se ouvia a beleza da voz do galo, anunciando o clarear do dia, e com voz de tenor lírico ou dramático se fazia ouvir a natural beleza da natureza à chegada da alvorada.

Tão bela e encantadora é o encanto de sua voz, que até Jesus Cristo, ao alertar Pedro de seu medo em reconhecê-lo como seu amigo, lhe disse: “Pedro, antes de o galo cantar duas vezes, me negarás três vezes”.

Pois é, e hoje não se houve mais este belo canto, que encanta e dá saudades ao não ouvi-lo mais. Outro canto que há 30, 40 anos se ouvia diariamente, mesmo no centro da cidade, era o canto ou piar das saracuras, sons da natureza que o homem citadino não houve mais e não conhece.

Nessa época a Lapa era uma cidade pequena, e a margem da cidade era rodeada de bosques ainda em estado original. Que sons maravilhosos que a vida hodierna mudou para sempre!

Um outro som, lindo e saudoso, era o toque sereno e melancólico das sirenes das fábricas, que às 6h, 12h e 18h, dava seu toque mavioso, com várias modulações, conforme a inspiração do tocador. Ficaram célebres os toques do Engenho da Erva Mate Família Lacerda, da Serraria do Sr. Octavio José Kuss, Fábrica e Moveis Imalasa e outros.

Outro som que deixou muita saudade e encanto foi o badalar dos sinos da Igreja, badalar esse que se ouvia no clarear do dia e às 18h, transmitindo aos nossos corações o encerrar do dia, em que Deus nos mostrava o encerramento de nossas atividades diárias.

Aliás, em se falando de fatos saudosos, há também fatos pitorescos que o tempo levou para sempre, como fumar cigarros de palha e cachimbo. Há 50 anos se fumava muito cachimbo, cachimbos esses que existiam em diversos modelos, dos quais se distinguiam dois clássicos: o em forma de letra L, com uma das hastes compridas; e um outro em forma de letra S, que soltava uma enorme profusão de fumaça, que poluía todo o ambiente.

Assim, esses fatos simples e pitorescos são existências concretas que o tempo levou para sempre e não voltam mais; são registros ortográficos e imagens que o tempo guardou e a mente de quem viu registrou no coração como saudade. Lembranças ainda de tantos fatos pertencentes ao passado, como as previsões do tempo, em que pessoas olhavam para as nuvens vendo suas posições (retas, curvas, longitudinais, entrecortadas, mescladas) e davam as previsões do tempo: vai chover somente à tarde, aquela nuvem curva é sinal que vai haver ventania curta e aquela nuvem cumprida é sinal de ventania forte. Esses fatos encantadores que o tempo levou para sempre; vou parando por aqui com o coração cheio de saudade.

*Abdalla João Dardaque – Cidadão Honorário da Lapa.

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