
Na longínqua década de 1940, ou seja, nos idos de 1948, 1949, tive a felicidade de ver passar pela Lapa as últimas tropas de gado vindas do Rio Grande do Sul dirigindo-se a Campinas, São Paulo.
A imagem era arrebatadora pelo número da rês, quanto celestial imaginação daquela viagem, onde os encantos da beleza animal e da profusão de detalhes que esse deslocamento produzia encantava a mente de quem observava uma viagem de centenas de quilômetros…
Quanto mais a gente se fixa em analisar uma viagem por estradas ou por terras entravadas de vegetação, curvas, rios, lugares montanhosos ou vales perigosos onde os viajantes sem raciocínios, ou seja, “animais” a ter a obediência humana para prosseguir ilesos aos perigos.
Vi tudo isso e hoje, aos 80 anos, fico imaginando a dificuldade de empreender tamanha viagem entre um Estado e outro, pois uma tropa de centenas de gados tem de parar para comer, parar para beber água, parar para descansar, parar para socorrer alguns feridos, parar para dormir, e assim tantos parar e prosseguir e….
Essas dificuldades são apenas em relação ao animal, e outras tantas se referem aos Tropeiros, tais como: parar para se fazer comida para os tropeiros, parar para observar o gado em trechos perigosos de travessia, como conduzir o gado irracional no caminho cheio de dificuldade, onde no passado não existia veículos adequados para uma viagem rápida e confortável.
Naquela época não havia caminhão para essas viagens e tudo semelhante ao Paraiso original formado por Deus.
A dificuldade em dirigir a tropa era associado a uma outra emocional também de dimensão tão gigantesca quanto a viagem material, ou seja, o Tropeiro tinha que se afastar de sua família por um longo período. Deixava sua esposa, seus filhos, seu conforto familiar, sentimental, saudades de todo tipo familiar que lhe afligia a alma; seu conforto ambiental, enfim tudo aquilo que o seu lar e ambiente lhe oferecia.
É… o homem do passado viveu diferente do de hoje… passou fome na viagem, frio, sede, sol inclemente lhe queimando o corpo, movimentos disformes com torções doloridas e uma saudade imensa da família, onde apenas o canto, a música sanfonada, as declarações mentais de amor, aliviam o sentimento da viagem e alegrava o andar do gado, fazendo-o unido e tropeiro.
Quem viu esse andar, guardou para sempre a beleza das tropas, onde o homem e o bicho estiveram lado a lado, no mesmo encanto de andar junto.
Quem viu, viu e guardou para sempre essa viagem do passado, onde tive a felicidade de ver por várias vezes tropas de gado enchendo a Rua Coronel Dulcídio, desde o fundo da Igreja até a Rua Hipólito Alves de Araújo, toda tomada de gado.
Dessa imagem já se passa 69 anos e está estampada como encanto em minha mente e como motivo de saudade, hoje como poeta da vida fico imaginando quantas declarações de amor foram feitas mentalmente nessas viagens da vida tropeira.
*Abdalla João Dardaque – Cidadão Honorário da Lapa.