Nem todos os monstros vivem embaixo da cama

O abuso sexual infantil ainda é visto como um tabu. Mas, é preciso falar sobre ele e saber como tentar prevenir a sua ocorrência. O abusador, muitas vezes, faz parte da própria família ou amigos próximos. Saiba como abordar o tema com crianças e adolescentes.

O abuso sexual infantil ainda é um tema complicado e difícil de ser abordado, justamente pelos tabus que o cercam, pelo preconceito e pelo silêncio das vítimas – que nem sempre compreendem exatamente o que está acontecendo com elas – e também das famílias que sentem “vergonha” ou não sabem como lidar com a situação. Esse silêncio que permeia o tema torna difícil ter estatísticas que realmente abranjam o problema de forma real.

De acordo com um estudo da Rainn, a maior organização social contra a violência sexual dos Estados Unidos, em 93% dos casos, as vítimas norte-americanas com menos de 18 anos conhecem o agressor. Lembrando que nem sempre ele precisa ser um adulto, podendo também ser um jovem ou adolescente que, de certa forma, possui poder sobre a vítima. Por tudo isso, falar sobre esse tema é tão importante.

FALANDO SOBRE O TEMA

Apesar de ser uma causa nobre, nem todo mundo tem ideia do quanto crianças são vitimadas todos os dias e precisam de proteção.

A dificuldade de ter números precisos sobre essa situação é uma realidade e o maior indicador do problema está no Disque-Denúncia. De acordo com a publicação desse órgão, em 2017, foram mais de 120 mil denúncias recebidas, sendo que desse número mais de 70 mil eram relacionadas à violência e violação dos Direitos Humanos de crianças e adolescentes.

Todas essas denúncias são encaminhadas individualmente para as polícias estaduais e demais autoridades que investigam e apuram os casos.

Outra forma de compreender o problema é pelos dados do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2016, foram registrados 22,9 mil atendimentos a vítimas de estupro no país, segundo dados apurados pela BBC. Mais de 57% desses casos eram de vítimas entre 0 e 14 anos, sendo que 6 mil vítimas tinham menos de 9 anos de idade.

Além desses números alarmantes, vale à pena também enfatizar o quanto muitas vítimas acabam sofrendo em silêncio, já que o tema ainda é um tabu na sociedade. Quebrar o silêncio pode significar ajudar outras vítimas a terem força de lutar contra seus agressores e de relatar a realidade vivida.

O ABUSADOR

Na maioria dos casos de abuso sexual infantil, o abusador é alguém que a criança conhece, convive, confia e ama. Na maior parte das vezes, ele é membro da família e dispõe de certo poder sobre a vítima, como pai, padrasto, irmãos, primos, tios ou avós.

Fora do âmbito familiar, o abuso também pode acontecer e o abusador costuma ser alguém conhecido da criança e com quem ela tem uma relação de confiança, como amigos da família, vizinhos, educadores, médicos, psicólogos, responsáveis por atividades de lazer e até técnicos de modalidades esportivas. Raras vezes o abusador é uma pessoa desconhecida.

CONSEQUÊNCIAS

Uma criança abusada sempre sofrerá sequelas dessa violência, desenvolvendo problemas de relacionamento e até de comportamento, como o abuso de drogas e medicamentos na adolescência, atitudes agressivas, quadro depressivo e assim por diante. A vítima poderá apresentar sentimentos confusos e nem sempre consegue compreender o que está acontecendo no momento, percebendo a situação posteriormente, quando processa que aquilo vivido foi uma agressão. É comum que essas crianças cresçam com sentimentos como:    medos aparentemente infundados; culpa; imagem corporal negativa; e dificuldades para estabelecer confiança interpessoal.

COMO PREVENIR

Embora o abuso sexual infantil seja um tema complicado de ser abordado, é extremamente importante. Primeiro, porque ainda é algo que acontece frequentemente em muitos lares brasileiros e, segundo, porque ele pode ter consequências danosas às vítimas. Veja algumas dicas que podem ajudar a proteger o seu filho contra essa violência:

– Converse com a criança sobre as partes íntimas do corpo: as crianças precisam saber nomear corretamente as partes do corpo e identificar o que é íntimo para, assim, poderem relatar aos pais quando algo fora do comum acontecer. Ensine a seu filho o nome correto de todas as partes do corpo e explique sobre as partes íntimas, ensinando que ninguém poderá tocar nessas regiões e nem vê-las, apenas os pais (com a autorização da criança) quando forem dar banho ou trocar de roupa.

– Explique sobre os limites do corpo: ensine a criança a não permitir que ninguém toque as suas partes íntimas ou, ainda, que ela não toque nas partes íntimas de nenhuma pessoa, seja ela conhecida ou desconhecida. Alerte a criança para possíveis artimanhas usadas pelos abusadores, como trocar carícias por doces, apresentar um “cachorrinho” e assim por diante.

– Incentive a criança a conversar com você: é preciso que o seu filho se sinta seguro para lhe contar qualquer coisa, inclusive uma situação de abuso. Muitas vezes, os abusadores pedem às crianças para manterem o ocorrido em segredo, seja ameaçando-a ou de maneiras lúdicas. Se o seu filho for ensinado que segredos não são coisas boas e que ele sempre poderá (e deverá) contar a você tudo o que acontece, será mais fácil de identificar uma situação de abuso.  Lembre-se que essa relação de confiança é muito importante e, por isso, a criança NUNCA deverá ser punida, criticada ou castigada por contar qualquer coisa sobre o seu corpo.

– Saiba com quem seu filho anda e o que ele está fazendo: muitos dos casos de abuso infantil acontecem quando uma criança passa horas sozinha com um adulto, que pode ser um membro da família ou um conhecido. Por isso, saiba o que seu filho está fazendo mesmo na sua ausência. Se for preciso deixá-lo por horas com um adulto ou um adolescente responsável, tenha meios de vigiá-los por um tempo para saber como é esta relação. O melhor é sempre preferir situações nas quais seu filho integre-se a um grupo, pois isso dificulta a ação de abusadores. Porém, tente saber sobre as pessoas que cuidarão da criança mesmo nesses casos. Por exemplo, se você for inscrever seu filho em um acampamento, saiba quem são os monitores e qual preparo eles possuem para prevenir e reagir contra um possível abuso.

– Analise a reação da criança: Se ela demonstra não ter afeição por alguém próximo, que ela teoricamente deveria desenvolver afeto, tente entender o motivo.

– Identifique os possíveis sinais de um abuso: embora não seja fácil notar os sinais físicos de um abuso sexual, é possível que a criança tenha alterações no seu comportamento, como irritação, ansiedade, dores de cabeça, alterações gastrointestinais frequentes, rebeldia, raiva, introspecção ou depressão, problemas escolares, pesadelos constantes, xixi na cama e presença de comportamentos regressivos (por exemplo, voltar a chupar o dedo). Outro sinal de alerta é quando a criança passa a falar abertamente sobre sexo, de forma não-natural para a sua idade, física e mental. Se você notar algum desses sinais, tome cuidado com a sua reação, porque ela poderá fazer com que a vítima se sinta ainda mais culpada. O importante é oferecer apoio à criança, escutando o que ela tem a dizer e não duvidando da sua palavra. Busque ajuda e orientação profissional para que o seu filho consiga falar sobre o ocorrido e lidar com o fato.

Por fim, busque medidas legais para afastar o abusador. Romper o silêncio é uma forma ativa de lidar com o problema e impedir que ele continue acontecendo.

APOIO DA SOCIEDADE

Apesar de ser um assunto íntimo, o abuso sexual infantil deve ser combatido pela sociedade. Afinal, um país que se preocupa e cuida das suas crianças e jovens é uma sociedade que oferece mais possibilidades de crescimento e de futuro. Nesse sentido, as escolas e demais instituições de atenção à infância e à adolescência podem contribuir de várias maneiras: oferecendo informações às crianças para que elas consigam entender quando estão sendo expostas a uma situação perigosa ou que possa se configurar como abuso sexual; sensibilizando os familiares ou os responsáveis pela educação das crianças, demonstrando o quanto é importante desenvolver maneiras de fortalecer o seu filho contra o abuso sexual, com uma relação de confiança; treinando o olhar dos educadores para que eles identifiquem casos de violência doméstica e de abuso sexual.

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