Pelas Estradas da Fé: três irmãos, uma promessa e 707 quilômetros de devoção

De bicicleta e coração aberto, Clésio Thiago e Jean Ruanito Cardoso deixaram a Lapa rumo ao Santuário de Aparecida. No destino, o irmão Diego os aguardava — e foi dele o abraço que selou a promessa cumprida.

Ainda era madrugada quando, às 4h17 do dia 21 de outubro, dois ciclistas deixaram a Lapa. O termômetro marcava 9 graus. O vento frio cortava o rosto, e o silêncio dizia o que as palavras não alcançavam: começava ali uma promessa de fé. Clésio Thiago Cardoso e Jean Ruanito Cardoso partiram rumo ao Santuário de Aparecida (SP), enfrentando 707 quilômetros de estrada, 5.569 metros de altimetria acumulada e uma infinidade de pensamentos, orações e sentimentos.

A dupla seguiu sem carro de apoio, carregando apenas o essencial. No caminho, contaram com a solidariedade e a hospitalidade de desconhecidos — e com a força que nasce da fé e do vínculo fraterno. O terceiro irmão, Diego, ficou na Lapa acompanhando a travessia à distância. Somente no último dia, viajou até Aparecida para recebê-los na chegada e trazê-los de volta para casa.

“Alguns anos atrás já havíamos feito esse pedal, mas naquela época era um desafio pessoal. Desta vez, o sentido era outro”, contou Clésio. “O Jean tinha uma promessa a cumprir, e eu sabia que aquelas estradas não eram para ser percorridas sozinho. Decidimos seguir juntos, confiando que Deus nos guiaria em cada curva e em cada amanhecer.”

O percurso escolhido foi pelo litoral paulista — mais longo, mas menos caótico que cruzar São Paulo. Logo no primeiro dia, os irmãos rodaram mais de 200 quilômetros sob frio, vento e chuva. No segundo dia, com 160 quilômetros já vencidos, veio a primeira grande provação: “Comecei a sentir fortes dores no joelho esquerdo. Pedalei mais 20 quilômetros com lágrimas de dor e rezando para que a dor parasse. Achei que não conseguiria continuar”, lembrou Jean.

Mas a fé se impôs ao cansaço. “Durante a noite, a dor simplesmente sumiu. Foi como se Deus tivesse tocado o corpo dele, renovando nossas forças e reafirmando que aquele caminho tinha um propósito maior do que a distância”, disse Clésio, emocionado.

A jornada seguiu dura. O vento contra parecia zombar da persistência dos dois. “Parecia que o vento dizia pra não continuar”, brincou Jean. Mas eles continuaram. No terceiro dia, enfrentaram um calor de 30 graus na subida da serra entre Bertioga e Mogi das Cruzes, um trecho que Clésio descreve como “uma prece em movimento”.

“O céu parecia ser pintado com pincel, e o som das cachoeiras ecoava como um hino. O silêncio não era ausência de som, era presença de Deus”, recorda Clésio. “Foi ali que entendi que a fé se manifesta no esforço silencioso, e que estar ao lado de um irmão é rezar com o coração.”

Nem tudo foi beleza e contemplação. O GPS acabou indicando uma rota errada e os levou por dentro de uma comunidade vulnerável em Mogi das Cruzes, atravessando vielas estreitas e olhares desconfiados. “Foi um momento tenso, mas conseguimos seguir em segurança”, contou Jean. “Era como se cada trecho testasse nossa fé de um jeito diferente.”

Na manhã do dia 25, o último trecho. O sol nascia forte quando os irmãos retomaram o pedal. Ainda restavam mais de 90 quilômetros até o destino final. “Já estávamos tomados pela emoção. O cansaço era grande, mas a vontade de chegar era maior”, contou Jean. “Quando avistamos as torres do Santuário, perto das 12h30, passou um filme na cabeça: o frio, as dores, o vento, o medo, a fé. Foi um momento de paz indescritível.”

E lá estava Diego, à espera no pátio do Santuário, emocionado. “Ele saiu da Lapa na madrugada de sexta para sábado, viajou por quase oito horas só para estar lá quando chegássemos. Aquele abraço foi o resumo da jornada: fé, amor e união”, contou Clésio.

Na chegada, o reencontro dos três irmãos selou a promessa cumprida. “Ali percebemos que cada um viveu sua missão: o Jean, na fé e na promessa; eu, na companhia e no cuidado; e o Diego, na acolhida e no amor silencioso de quem veio completar a travessia”, resumiu Clésio.

De volta à Lapa, os três voltaram diferentes. “Com certeza, essa jornada nos mudou. Ficamos mais gratos, mais conscientes e com o laço familiar ainda mais forte. Aprendemos que a fé não é só pedir na dificuldade, mas saber agradecer”, refletiu Jean.

A estrada, agora, ficou para trás. Mas a lembrança continua viva — o vento no rosto, as manhãs frias, o horizonte azul e a certeza de que algumas promessas se pedalam com as pernas, mas só se cumprem com o coração.

Clésio Thiago e Jean Ruanito Cardoso em frente ao Santuário Nacional de Aparecida: depois de 707 km pedalados, a fé chegou antes das rodas — e o abraço do irmão Diego selou a promessa cumprida.
 
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