Sl 55 – Ainda que não substitua o texto em si, vamos à introdução, com vistas à interpretação e explicação contextualizada e atualizada, cristologicamente, dos Salmos, que têm em vista o conhecimento e a glória de Deus, em aroma suave, mediante Jesus Cristo. E nEle, na unidade do Espírito Santo, de fé em fé, edificação luteradora das consciências pávidas, exortação de soberbos e empedernidos, e consolo necessário, profícuo, ubérrimo dos corações atribulados.
O salmo 55 é um Salmo de oração. Ele deve ser orado na perspectiva de Cristo e do Seu reino. Ele que também tem quem O atraiçoa – aliás, só se pode ser atraiçoado por pessoa próxima e de confiança. O ato da traição e do ser atraiçoado Davi, rei ungido por Deus, também experimenta e vivencia da parte da gente de Judá, mas não só: basta lembrar Aitofel e Absalão, por exemplo. Para fins de entendimento do Salmo, em seu modo peculiar de orar e interceder, se deve atentar que o pano de fundo é a gente que é traiçoeira e atraiçoa, gratuitamente. Tais pessoas, na frente, bajulam e adulam como se fossem verdadeiras e reais irmãos e amigos piíssimos, contudo, nas contas são gente má, inimiga, ruim, perversa, indulgente com o seu pecado e seus pecados. Elas, na frente da gente, camuflando, parecem e dão ares de que são, com boca e coração, fiéis irmãs, pais, amigas e companheiras que se apiedam e compadecem de nós e querem servir, diaconar, cooperar na realidade de cruz e renúncia que sofremos e precisamos administrar em nosso ofício, estado, vocação. Contudo, na nossa ausência, são, em pessoa: morte, espada, guerra, ruína, diabura. Davi, o rei, lamenta o fato diante de Deus, salmodiando-o, em oração. Porque essa gentelha, além de próxima, está e se põe junto à mesa, vão junto à Igreja, estão presentes em situações íntimas e de confiança, tanto no particular quanto no público, como se fossem as mais amigas, irmãs, fraternas, confiáveis. Por isso Davi também amaldiçoa, salmodiando imprecações, em sua vivência excruciante. Ele quer que a gente traiçoeira seja entregue à ação do diabo, da morte, do inferno, pois lhe causam muita atribulação e angústia ao coração. Tais palavras presentes no salmodiar de Davi são existenciais porque a gente descrita não se penitencia e nem corrige a sua vida e fé. Não há e nem se observa nelas confissão e nem abandono de pecados concretos. E a razão é porque o fundamento e a base da sua fé, teologia, culto, piedade não são iguais aos de Davi, para quem Cristo é importante. Ele que, como pessoa pública e privada, tem a Palavra como regra e norma de fé e de conduta, ainda que também seja pecador, por natureza. Ele, diferente da gente traiçoeira, que não teme a Deus e nem sequer tem um coração piedoso, vive arrependimento e fé. É. O que vai se esperar da gente cuja vida e fé Cristo de nada aproveita? Melhor. O que fazer num contexto melífluo e melíflo, cheio de conspiração atraiçoadora, como o descrito no Salmo? Orar, suplicar, lamentar a Deus a situação vivida. Pois Ele, sim, Deus pode ser conosco e dar um jeito na situação. Sim. Deus, o SENHOR, pode e vai mostrar a cada qual o seu fim forjado. E é um alívio para a redondeza e o conjunto da Criação quando, por vontade e ação monoagentes de Deus, já que não tem outro jeito, as pessoas, a terra, o ar, a água são feitas livre de gente que é autoindulgente com a perversidade e a malícia.
Ao modo do salmodiado pelo salmista, o pior martírio e sofrimento são aqueles que ‘sangram’ e ‘torturam’ o coração. Os sofrimentos que ‘atacam’ o corpo são suportáveis. Neles, o coração pode, até, alegrar-se e fazer pouco caso delas. Trata-se de sofrimento só pela metade. Afinal, somente o corpo sente dores, enquanto que o coração e a alma podem estar repletos de alegria. Quando, porém, ‘toca’ ao coração levar toda a carga, neste momento, para aguentar, é preciso disposição notável, acima do normal, bem como graça e força incomuns. Agora, por que permite Deus que seus amados sofram? Em primeiro lugar, para guardar seu povo da prevaricação. Para que os grandes santos, que receberam de Deus graça e dons especiais, não venham a depositar sua confiança em si mesmos. Por isso precisam passar por apertos e apuros, para que não experimentem tão somente e de contínuo o poder do Espírito, mas que, vez por outra, sua fé esperneie e o coração desanime e, assim, reconheçam o que realmente são e confessem que nada seriam não fosse Deus sustentá-los, graciosamente. Por outro lado, Deus permite que isto lhes suceda como exemplo para os demais cristólogos, tanto para abalar os autoconfiantes quanto para consolar os amedrontados. Em terceiro lugar, o grande e principal motivo por que Deus age assim é esse: deseja mostrar a Seus santos como procurar consolo real e contentar-se em encontrar e ter a Cristo consigo e em seu favor e benefício.