A história dos “Irmãos Coragem” lapeanos

Dois adolescentes, com uma única bicicleta emprestada da vizinha, sem avisar ninguém, seguiram rumo a Taió (SC), onde mora o avô, colocando em desespero familiares e amigos. Auxílio de redes sociais e grupos de WhatsApp foi fundamental para reencontro feliz, depois de terem percorrido quase 200 km em menos de dois dias.

Uma travessura que poderia ter tido um final trágico, mas que, por sorte e por contar com a ajuda de pessoas de boa fé, através das redes sociais, terminou com o reencontro entre mãe e filhos. Tudo começou na sexta-feira, 11 de janeiro, quando os irmãos Gean (14 anos) e Gustavo (11 anos), moradores na Lapa, decidiram passear na casa do avô, que mora no município de Taió, em Santa Catarina.

Os meninos aproveitaram que a mãe estava no trabalho e, por volta das 9h da manhã, foram até o vizinho e emprestaram uma bicicleta. Tomaram consigo água e bolachas e pegaram a estrada para percorrer um trajeto de aproximadamente 240 km até o destino final.

A aventura dos meninos tomou grandes proporções a partir do momento em que a mãe chegou em casa e não os encontrou. Julia Fonseca, a mãe, sai de casa de madrugada para trabalhar e volta às 15h. Em entrevista à Tribuna Regional, ela relatou que os deixava sob os cuidados do tio que mora no bairro Barcelona. Quando Julia chegou em casa, chamou os filhos e não os encontrou. Então entrou em contato com o irmão, pensando em pedir para que os meninos voltassem para casa. Mas, aí iniciou o desespero. Naquele dia os garotos não estavam na casa do tio. O parente falou que não estava em casa e que nem havia visto os sobrinhos.

A mãe dos adolescentes entrou em desespero e, na sequência, a vizinha chegou no portão pedindo para que os meninos devolvessem a bicicleta que haviam emprestado de manhã. Julia conta que naquele momento sentiu o chão se abrir sob seus pés, pois não sabia onde os filhos estavam. Ela contou que passou horas e horas, madrugada a dentro, procurando os filhos pelas vilas da cidade. Foi até a Delegacia de Polícia Civil e Polícia Militar, mas foi informada de que só no dia seguinte poderia registrar o Boletim de Ocorrência sobre o desaparecimento de seus filhos.

Depois de uma longa noite em claro, no sábado, dia 12, ainda de manhãzinha, Júlia foi até o 28º Batalhão de Polícia Militar e registrou o desaparecimento dos filhos.

Algumas notícias começaram a chegar via WhatsApp, de pessoas que relatavam ter visto os meninos na sexta-feira, na localidade da Lavrinha seguindo sentido Campo do Tenente, o que fortaleceu a suspeita de que os garotos haviam ido para a casa do avô, no estado vizinho.

A mãe seguiu as pistas que tinha. Em Campo do Tenente, recebeu mais informações e as descrições batiam com as características dos garotos, que haviam passado pela PR 427 no dia anterior. Causou espanto imaginar a distância percorrida pelos meninos.

A procura por Gean e Gustavo tomou grande proporção por conta da divulgação realizada em redes sociais e grupos de WhatsApp, que publicaram a notícia. Foi a partir de informações obtidas por estes auxílios que a mãe seguiu rumo a Rio Negro. Em Mafra, Santa Catarina, algumas informações em áudio indicavam que pessoas haviam visto os meninos à margem do asfalto. Tudo confirmava a suspeita de que eles estavam realmente a caminho da casa do avô, em Taió.

Na Lapa, ainda no sábado pela manhã, uma publicação feita pelo jornalista Tony Antunes na página do Facebook da Radio Interativa/Jornal da Manhã sobre o desaparecimento dos garotos foi compartilhada por 5.588 pessoas. Isso ajudou para que o pedido de socorro chegasse até uma família moradora de Rio do Campo (SC). Sonia Kulkamp Ferreira Chagas e seu esposo Adecir haviam ido para o centro do município para fazer compras. Até aquele momento ela não sabia do desaparecimento dos garotos. No caminho, a aproximadamente 3km de onde moram, avistou os adolescentes e notou que não os conhecia. Duas horas mais tarde, ao voltarem para a casa, Sonia avistou os meninos novamente, 10km adiante. Ela e seu marido ficaram atentos à situação por estar próximo do meio dia e eles ainda estarem por ali. Ao chegar em casa, Sonia relatou que, ao abrir seu perfil no Facebook, viu a notícia da Rádio Interativa sobre o desaparecimento dos meninos e os reconheceu. No mesmo instante pediu ao marido para ir atrás deles, enquanto ela compartilhava a notícia e comentava que haviam visto os garotos.

Sonia contou que ficou aflita a espera de notícias do marido e dos meninos. “As pessoas começaram a perguntar se eram os meninos que tínhamos encontrado. Demorou mais uma hora para meu esposo chegar em casa. Ele, feliz, contou que havia encontrado os garotos e os levado até o Conselho Tutelar. Gean e Gustavo estavam com fome, então o marido de Sônia comprou comida para eles. “Foi muito gratificante para nós dois, pois somos pais e nos colocamos no lugar da família desses meninos. Ficamos muito felizes, pois não aconteceu nada a eles em todo esse trajeto”, relatou Sonia, via mensagem para a Tribuna Regional.

No Conselho Tutelar de Rio do Campo, Gean e Gustavo foram alimentados, descansaram e foram levados pelo tio até a tão desejada casa do avô, para onde eles seguiam com apenas uma bicicleta. Na sequência, a mãe Julia recebeu a ligação do irmão, informando que seus filhos haviam sido encontrados. A mãe ficou aliviada, mas ao mesmo tempo ansiosa para encontrar novamente os garotos. Queria vê-los o quanto antes, abraça-los e saber se estava bem. O reencontro foi emocionante. Julia não acreditava que os filhos haviam percorrido tantos quilômetros sozinhos, quase 200 quilômetros com apenas uma bicicleta, de menos de dois dias de viagem. ”Quantos riscos, quanto perigo eles enfrentaram na estrada, e a distância…”, comentou.

Os meninos relataram à Tribuna alguns momentos pelos quais passaram. Perigos que, por terem astúcia (e proteção divina), foram superados. Durante o trajeto, diversas vezes foram abordados por motoristas que ofereceram carona, mas, querendo levar somente um deles. Passaram por tentativa de furto da bicicleta, mas conseguiram se safar. Durante à noite, pararam para dormir atrás de um posto de combustíveis – enquanto um dormia o outro vigiava. Também relataram momentos de solidariedade: pessoas que ofereciam comida e água, funcionários de Concessionária de Pedágio que, vendo que transitavam na estrada e a noite se aproximava, pintaram suas costas com tinta fluorescente, dando um pouco mais de segurança aos dois. Eles contaram que, ao serem indagados sobre o seu destino, olhavam a placa na estrada e diziam o nome da cidade mais próxima. Ao final da conversa na redação da Tribuna, afirmaram: “Não recomendamos que ninguém faça o mesmo”. Ou seja, aventura vivida, que será lembrada por toda a vida. Mas, também, lição apreendida, sem necessidade de outros sermões ou castigos. A mãe, por fim, contou que, no reencontro, após abraça-los, questionou: “Vocês imaginaram que poderíamos ter nos encontrado diante de um caixão?”.

Fica a lição de que Deus não desampara e de que, com a união da comunidade pelo bem do próximo, muito há que ser feito em casos como este.

Bicicleta Monark, emprestada, foi o meio de transporte dos adolescentes que viajaram rumo a casa do avô.
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