Carne bovina: cuidado com as meias verdades

Fabiano R. Tito Rosa – Scot Consultoria

“Uma meia verdade é pior do que uma mentira”. Essa foi uma das primeiras e mais importantes lições que aprendi na Scot Consultoria.

Uma mentira é fácil de ser rebatida. Já as meias verdades causam confusão e, muitas vezes, empurram discussões relevantes para o campo da futilidade.

A preocupação com as meias verdades é de extrema valia para quem trabalha com números, pois eles são (para o bem e  para o mal) manipuláveis. Sempre é possível ajustá-los para que reforcem um argumento que, muitas vezes, não é válido por inteiro. Trata-se, portanto, de uma meia verdade.

A má fé, a falta de conhecimento, a preguiça ou a incompetência pura e simples estão sempre por traz de uma meia verdade. Dois exemplos recentes:

1 – Para cada quilograma de carne bovina produzida são emitidos 13 quilogramas de CO2 equivalente. Isso significa  que, ao se alimentar com um quilo de bife, emite-se a mesma quantidade de gases de efeito estufa de um vôo de 100 quilômetros (O Rastro da Pecuária na Amazônia – relatório do Greenpeace);

2 – Em um hectare, que poderia render 22.500 kg de batata ou outra hortaliça, são produzidos 185 kg de carne. Além disso, o consumo de água é impressionante. Para cada quilo de carne  produzido, são necessários 20 a 30 mil litros de água (Fazer churrasco é  ruim para o meio ambiente? – matéria da revista Galileu).

O boi não é só carne

O primeiro ato falho, dessas duas afirmações, está no fato de relacionar a produção de CO2, a ocupação de área e o consumo de água por parte dos bovinos apenas à produção de carne. O boi, como qualquer fornecedor de insumos agropecuários, pecuarista ou profissional da indústria frigorífica sabe, é uma verdadeira fábrica de matéria-prima.

Um bovino adulto, ao ser abatido, gera mais ou menos 202 quilos de carne; 48 quilos de miúdos; 40 quilos de pele (couro); 27 quilos de farinha (de sangue e carne e ossos); 12 quilos de sebo; 0,25 quilos de bile, cálculo biliar e coisas do gênero; 1,22 quilos de pêlo de orelha, cascos, pêlo de rabo, etc. Esses derivados bovinos irão alimentar 49 segmentos industriais diferentes: energia, alimentação, nutrição animal, higiene e limpeza, farmacêutico, moveleiro, calçados, equipamentos de segurança e outros.

Vamos seguir apenas o couro, como exemplo. As indústrias calçadistas, moveleiras, automotivas e de artefatos diversos dependem do couro. As indústrias de gelatina, de cola  e de dog toy dependem de subprodutos do couro (raspas e aparas). As indústrias de alimentação, as farmacêuticas e as de cosméticos usam a gelatina. E por aí vai. Quem quiser pode acessar um fluxograma simplificado dos derivados do abate no site do Serviço de Informação da Carne (SIC): http://www.sic.org.br/praqueserve.asp. Estava olhando agora  essa figura e realmente me convenci de que a produção e o abate de bovinos é uma maneira bastante eficiente de se usar 30 mil litros de água ou 13 quilogramas de CO2. É bem melhor do que fazê-lo num ineficiente vôo de 100 quilômetros. Outra escorregada, relacionada à emissão de gases de efeito estufa pelos

bovinos, está no fato de “análises” desse  tipo nunca considerarem o seqüestro de CO2 que é realizado pelas pastagens. Parece que só vale inserir o pasto, dentro do sistema de produção de carne, se é para tratar do desmatamento. Seqüestro de carbono não conta.

Aliás, por falar em desmatamento, números  da Scot Consultoria apontam que, entre 2001 e 2008, a área de pastagem do Brasil encolheu 2%, o equivalente a mais de 2,7 milhões de hectares, reduzindo a pressão sobre as florestas e liberando mais espaço para a agricultura. Ao mesmo tempo, o rebanho cresceu 10%, a produção de carne 39% e as exportações 161%, mesmo considerando o ajuste produtivo dos últimos dois anos. Isso só foi possível graças à incorporação de tecnologia. E é justamente esse o caminho para que o agronegócio da carne bovina se mantenha em crescimento sustentado, tanto do ponto de vista econômico quanto no que diz respeito às questões sócio-ambientais.

Benefícios da tecnologia

A incorporação de tecnologia promove a melhoria dos resultados econômicos, pois dilui custos fixos e gera aumento de receita. Sistemas tecnificados também agridem menos o ambiente, pois os animais são abatidos mais jovens e, portanto, emitem menos poluentes e utilizam menos água por kg de carne produzida. É preciso considerar também que as pastagens adubadas são mais eficientes no seqüestro de CO2 e que, quanto mais gado por área, menos necessidade de terra.

O Brasil pode, facilmente, dobrar a produção de carne sem aumentar em mais um ha a área de pastagem. Aliás, pode dar esse salto mesmo cedendo ainda mais espaço para a agricultura, desde que acelere o ritmo de adoção de tecnologia no campo.

Para tanto, o produtor de gado de corte precisa estar bem informado (ter conhecimento dos benefícios relacionados ao aumento da produtividade e das técnicas que se encaixam ao seu sistema de produção), motivado (através de preços remuneradores e  de linhas de crédito acessíveis) e, talvez o mais importante, amparado por um eficiente modelo de gestão (que facilita a obtenção de recursos, permite a realização de análises de benefício x custo e o auxilia na correta implantação e utilização das tecnologias disponíveis).

A partir do momento em que se oferecem tais condições aos pecuaristas, se torna mais fácil, e justo, cobrar contrapartidas ambientais. Todo mundo sai ganhando.

Belo estrago

Para dar um “toque de glamour”, a matéria  da revista Galileu veio ilustrada com a foto de um gaúcho, em trajes típicos, fazendo churrasco. No canto inferior esquerdo, o comentário: “o  gaúcho prepara seu churrasco e dá uma poluidinha

no ambiente, o que não é nada se comparado com o estrago feito por quem criou o animal”.

É… o agronegócio da carne bovina sustenta, no Brasil, algumas dezenas de segmentos industriais diferentes, produz quase 10 milhões de toneladas de alimento, responde por 20 milhões de empregos e injeta US$5,1 bilhões, na economia, só através de exportações. Se incluirmos nesse “bolo” o agronegócio do couro, as exportações alcançam US$9,2 bilhões. Belo estrago!

Existem ONGs e veículos de mídia não especializados que buscam discutir, de forma responsável, a questão da produção de carne bovina no Brasil. Avaliam, de um lado, a importância econômica da atividade e o seu potencial em termos de geração de riqueza. De outro, analisam também os impactos ambientais relacionados ao clima e à perda de biodiversidade. Assim, contribuem para um debate construtivo, com o objetivo de encontrar um caminho onde a produção de carne e o meio ambiente co-existam da mais forma harmoniosa (ou menos conflituosa) possível. Afinal, precisamos de ambos.

Infelizmente, porém, alguns grupos estão interessados apenas em incitar polêmicas; e de forma bastante irresponsável, diga-se de passagem. Portanto, cuidado com o que você anda lendo. Volto a afirmar: meias verdades só servem para causar confusão e empurrar discussões relevantes para o campo da futilidade.

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