Mãe de candidato

Ela amava o filho. Por isso, andava preocupada. Desde que ele resolvera entrar para a política, começara a preocupar-se. Agora, na antevéspera das eleições, não conseguia pegar no sono. Vestiu uma roupa qualquer, passou um pente no cabelo, pegou a bolsa e saiu.

Fazia noite escura, muito escura. Não havia lua. Quando deu por si, estava no canteiro que separa as pistas da avenida que margeia o cemitério.Vagou durante algum tempo entre as centenas de cartazes espalhados pelo gramado. Com eles, os candidatos visavam atrair os passageiros dos milhares de automóveis que trafegam diariamente por ali. Àquela hora, porém, tudo estava deserto.

Sentou-se num banco, de costas para o portão do cemitério e de frente para um cartaz do filho: nome, número e foto, com um sorriso que o deixava ainda mais bonito. Encimando tudo, lia-se: “100% Ficha Limpa”. Que bom se fosse verdade. Por amá-lo tanto, conhecia-o melhor do que ninguém.

Súbito, um alarido de vozes femininas atrás de si causou-lhe medo. Não se virou. Tirou da bolsa o espelho. Nele, viu refletida a imagem de dezenas de caveiras. Após o ranger de ferros, assitiu-as vindo em sua direção. Ficou apavorada. Quis levantar, mas não conseguiu.

Petrificada, assistiu a uma cena tétrica. Com a ponta do osso que fora seu indicador, as figuras esqueléticas escreviam sobre alguns cartazes: “Não Eleja”. Em seguida, cada uma procurava outros cartazes, sempre do mesmo candidato, para repetir aquele ato de crime eleitoral.

Quando completaram a obra, elas novamente se reuniram em alarido, passaram pelo portão de ferro e o fecharam. Voltou o silêncio.

Vagarosamente, a mãe que amava o filho-candidato foi-se recuperando. Faltava pouco para o sol nascer, quando tomou uma decisão radical. Olhou à volta. Não havia ninguém por perto. Tirou da bolsa o batom e, um a um, fez um enorme “X” sobre o “100% Ficha Limpa” dos cartazes do filho.

No dia seguinte, os candidatos que se sentiram prejudicados apelaram para a justiça eleitoral. Aqueles que tiveram suas propagandas mantidas intactas eram os principais suspeitos. De nada adiantou. Não havia mais tempo hábil para investigar, nem para adiar a eleição.

Ao término da apuração, verificou-se que os institutos haviam fracassado tremendamente em suas pesquisas. Mais tarde, aprofundando os estudos, chegaram à conclusão que todos os candidatos órfãos de mãe não haviam sido eleitos. Também saiu derrotado o candidato que teve os seus cartazes rabiscados com batom. Mas, para surpresa dos analistas, a mãe deste ainda era viva, muito viva por sinal.

() General da Reserva – www.bonat.com.br

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