Quem é esse general? (II)

Embora restabelecida a paz e dissolvido o grupo dos que haviam se apresentado livremente para guerrear, – Carneiro estava cada vez mais distante da profissão sonhada pela família. Elegeu o exército brasileiro, seu novo lar, servindo a pátria desde a Metrópole até os lugares mais recônditos, nada se lhe constituindo dificuldade. Sua extensa folha de serviços, constante dos arquivos do exército, retrata-o, como figura impoluta, perfeito nas suas missões. No seu histórico militar, não há, sequer, vislumbre de uma admoestação. Todos os seus atos eram exornados dos maiores encômios. Porque nosso espaço é pequeno, vou me permitir, transcrever, o que dos arquivos citados consta no ano de 1.879: “ Em 1.879 – Por decreto de vinte e cinco de outubro foi transferido para a quarta companhia do Décimo Batalhão de Infantaria. Por portaria de dez de outubro, teve desligamento da Escola de Tiro a quatorze de novembro, sendo elogiado pelo elevado talento, esclarecida inteligência, atividade e zelo, excedendo a toda a expectativa com que desempenhou os lugares de Instrutor Adjunto e Secretário, demonstrando assim o seu alto merecimento, nunca desmentida lealdade, critério e sisudez a toda a prova.”

Sua folha de serviços, no inteiro teor, se constitui fonte natural e inesgotável de louvores, sempre exaltando as virtudes de um militar, cujo histórico de vida, na paz e na guerra, é quase uma bíblia. Se não tanto: um abalizado compêndio a indicar os caminhos que formam, para a vida, um cidadão de bem.

Propositadamente, deixamos, para conclusão desta narrativa, a convocação de Carneiro para enfrentar os conflituosos movimentos de 1.893 e 1.894, que a partir do Rio Grande, traziam como realce os temidos federalistas, cujo escopo principal era chegar ao Rio de Janeiro para a derrubada dos poderes constituídos. Floriano Peixoto, o marechal – presidente, certificado de que os revolucionários atravessando fronteiras estavam próximos do Paraná, foi peremptório: havia um homem para deter esse avanço: Antônio Ernesto Gomes Carneiro. Atendendo, como sempre, ao chamado lhe dirigido, Carneiro, sem delongas e após acidentada viagem, (em parte cavalgando), assumiu o comando das forças legalistas na Lapa (compostas por militares e acrescidas pelos combatentes locais, sob comando do não menos ilustre Coronel Joaquim Lacerda). Apesar de não poder competir com as tropas cada vez mais avolumadas e ensandecidas de Saraiva, a cada embate, não eram poucas as baixas infringidas ao inimigo.

Em que pesassem o arrojo, o destemor e desprendimento dos bravos de Carneiro, o sítio da Lapa, a cada minuto, se revelava inevitável. Nos últimos momentos, o cerco estava se consumando com a rapidez própria dos que anseiam conquista, a qualquer custo. Era o desvario da guerra.

O sofrido palco de lutas infrenes, não era mais que uma área de setecentos por trezentos ou quatrocentos metros. Penúria, sede e fome, inclusive nas hostes contrárias.

Carneiro, sabedor da situação notoriamente desfavorável, jamais se entregou ao desânimo. Estava em todas as frentes, alentando a seu punhado de heróis. Quando atingido (e o foi de maneira letal), pediu dissessem “que não era nada, apenas um ferimento leve. Que resistissem até o fim”.

Entrementes, a morte se avizinhava do grande soldado. Foi ingente a destruição. A bala traiçoeira havia dilacerado as entranhas do indômito comandante. A divulgação de sua morte causou impacto até nos meios federalistas. Houve, nos primeiros momentos, quem se recusasse a acreditar.

Em tempos de notícias escassas, vagas, desencontradas, quando Floriano Peixoto, na sede do Governo, foi avisado da capitulação da Lapa, manifestou-se num fraseado a denotar um queixume e uma saudade: “Então, o Carneiro morreu!”

E a igreja vetusta, duramente castigada pelo canhoneio, serviu de último abrigo ao herói estoico que desconhecia óbices quando em jogo a defesa da pátria. Seu corpo, agora incrivelmente inerte, baixa à sepultura para descansar ao lado do não menos ínclito e valoroso Dulcídio Pereira, tombado nas refregas de dias anteriores.

Forçoso é reconhecer: O choro é necessidade de todos. Os valentes também choram. E, naquele momento, o chão sagrado do venerando templo, teve confirmado sua santidade, rebatizado que foi com o sangue dos heróis e as lágrimas pungentes da saudade.

Era manhã do dia 10 de fevereiro de 1.894. O relógio da sacristia acabara de bater a meia hora empós as oito.

Meu Deus! Lá se vão bem mais de cem anos e a memória de tanto, não se esboroa! Persiste “ad infinitum” e imensamente dorida…

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