A Casa do Coronel Juca

A casa da rua do Cotovelo, ao lado  do ” Theatro São João”, abriga, hoje, o museu histórico da cidade da Lapa, uma das instituições mais reverenciadas e respeitadas pelos nossos  cidadãos. Lá, subsistem, qual repositório de nossa História, objetos e alfaias de tempos outros que em muitos despertam curiosidade e para grande maioria representa um mergulho nos feitos e fatos de épocas que se foram, e consequente tributo de veneração àqueles que nos precederam.  Há, nesse templo sagrado da memória, um espaço todo ele dedicado aos momentos heroicos, embora imensamente doridos, oriundos das pugnas de 1 894. Desperta atenção o local escolhido para guarida dessas lembranças. A  casa, que pertenceu a José Ferreira do Amaral e Silva, o inolvidável Coronel Juca, acolheu o General Gomes Carneiro – letalmente ferido – nos  momentos dolorosos que antecederam a seu passamento.

Já fizemos neste Jornal umas tantas considerações sobre Gomes Carneiro, sob a indagação: “Quem é esse  General?”, pois chegou a oportunidade de perguntarmos: quem é esse Coronel?

José Ferreira do Amaral e Silva, com título honorífico de coronel, foi um lapeano de acendrado sentimento comunitário. Afora a dedicação que direcionava às suas fazendas, e ao beneficiamento e comercialização de erva-mate, ainda achava tempo para seus compatrícios. Foi vereador, presidente da Câmara,  deputado por várias legislaturas, e incentivou atividades cooperativas,  numa oportunidade em que estas ainda se mostravam incipientes e embrionárias.

Foi durante a revolução federalista que – tendo conhecimentos de enfermagem – acolitou o Dr. João Cândido, na oportunidade em que, na casa a que estamos nos referindo, foi acolhido o general Gomes Carneiro, gravemente ferido. Fora atingido momentos antes, quando exortava seus comandados nas trincheiras da rua da Boa Vista. E, não foi somente por essa vez que José se prestou a esse tipo de serviço. Atente-se para as palavras do próprio Coronel Juca em manuscrito que nos legou: “ O Dr. João Cândido não bastava para atender os seus misteres de médico, ficando nos dias de  combate sem companheiros profissionais, e muitas vezes eu lhe auxiliei no pensar feridos”.

O nosso Coronel, esteve, pois,  presente nos momentos mais angustiantes da triste refrega de noventa e quatro. Em relato pungente que nos deixou, datado de 7 de dezembro de 1 928, sente-se ainda o quanto de dor e tristeza habitava nos corações, mesmo se considerando o transcurso de mais de trinta anos dos fatos. Diz  o Coronel Juca, em certo trecho de sua narrativa: “ A chuva era a cântaros. Constante era o passar de feridos, a braços, em padiolas, em carretas, gementes e sangrantes. O diminuto horizonte lapeano era o recipiente de tudo que era sensação de dor, de agonia”.

Os tempos passaram e quando José Amaral nos brindou com seu testemunho manuscrito, a casa da rua do cotovelo ( essa mesma agora transmutada em museu) lhe pertencia e sente-se o quanto de carinho dedicava àquele solar onde passara horas importantes de sua vida, e participara de eventos, os quais mesmo que calamitosos, eternizaram, para a História, os Heróis da Lapa. Fecham os escritos do Coronel Juca, como que para esquecer os fato dolentes, a descrição de sua casa. Ei-la:- “A casa que hoje me pertence apesar de reconstruída não foi modificada na parte histórica, isto é, o corredor por onde entrou o General ferido e a sala, que lhe serviu de enfermaria e  de câmara ardente. Cuja descrição é: a casa tem pela frente o nascente,  a rua, hoje, Cel. Francisco Cunha; ao lado esquerdo o teatro S. João, então uma enfermaria, tendo a porta de entrada ladeada por quatro janelas, duas de cada lado. A sala histórica fica a direita de quem entra, tendo duas portas, uma para o corredor, outra para o interior da casa e no fundo da sala, duas janelas para a rua, não tendo claro algum na parte que confina com o teatro. A mobília constava de 12 peças “encurvadas”, um piano, depois de uma cama e da marqueza, onde expirou o  herói.”

Com essas minúcias sobre a casa, entende-se que o coronel, dentro de admirável senso premonitório, estava adivinhando a predestinação da mesma, como ora vem acontecendo. A  casa tão amada, já há alguns anos, permanece como sede do Museu Histórico da Lapa.

O Coronel Juca, onde agora permaneça seu espírito de escol , surpreenderá a eventuais circunstantes  pelo entusiasmo que ainda consagra à sabia decisão que fez, de sua antiga moradia, o sacrossanto escrínio da memória de seus concidadãos.

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