Como me tornei o Recruta Zero no 15º GAC AP

Numa experiência inovadora, o editor deste jornal, Aramis José Gorniski, aceitou o desafio de ser recruta na Operação Boina Preta do Exército Brasileiro. Leia o relato.

Quando recebi o convite do amigo Ten Coronel Chiesa para incorporar como soldado no Campo de Instrução Básica do Exército Brasileiro, fiquei receoso de não conseguir ficar à altura dos novos guerreiros, mas como o orgulho bateu mais alto, aceitei de cabeça erguida essa honrosa missão.

O que descobri no Campo, junto com os recém incorporados recrutas, é um misto de solidariedade, companheirismo e superação pessoal. Todos sofrem, desde o recruta mais novo, até o mais alto oficial. Um campo de instrução não é um acampamento de férias, todos já imaginam isso. É um local de trabalho, onde são moldados os soldados que, se necessário for, defenderão nosso país com suas vidas. Essa transformação de adolescente em homem acontece de forma rústica. O soldado aprende a ter desapego pelos confortos individuais para olhar pelo bem da tropa a que faz parte. Todos precisam vencer cada obstáculo juntos. Todos aprendem a pensar no conjunto que integram, deixando a individualidade de lado.

Eu já havia visitado alguns campos de treinamento do 15º GAC AP, na época do Ten Coronel Lemos, quando passei um dia lá como observador. Desta vez a ideia foi outra: Sentir na pele o que sente um rapaz de 18 anos, recém saído da barra da saia da mãe, ao enfrentar o mundo cruel, mas extremamente técnico e preciso, da Defesa da Pátria.

Aqui fora, do alto da minha cadeira confortável, em frente ao meu computador, eu ouvia falar muito sobre a dita “tortura” a que os novos são submetidos no treinamento. Ao chegar acampamento, me deparei com métodos e técnicas arduamente estudadas e calculadas para forçar o crescimento pessoal do novato. Nada é feito simplesmente “porque o cara tem que se ferrar”. Não existe esse conceito. Existe, sim, o soldado mais desligado, que por alguma razão não segue as ordens dos superiores. Esses sofrem, mas sofrem por ainda não vibrar no treinamento (Vibração é sinônimo de entusiasmo, luta, garra e determinação, neste caso, somadas). Quando sintonizam com o ambiente, passam a se dedicar ainda mais e, em muitos casos, são reconhecidos e destacados pela sua superação e conquista.

Como me explicou o Cap Luchetti, Oficial de Segurança da base de treinamento, esta instrução é o primeiro contato real que o recruta tem com o exército. Tudo que é novo assusta ou incomoda, mexe com nosso círculo de segurança. Tira das mãos deles as decisões individuais e ensina a pensar em grupo, sempre visando a proteção da tropa em primeiro lugar, para depois conquistar território inimigo.

Todos os recrutas são chamados pelo seu número e recebi a alcunha de “Zero Zero”, ou seja, Recruta Zero. Saímos em marcha na segunda-feira (9), até o campo. Oito quilômetros num passo médio, parando a cada hora para descanso de 10 minutos. Isso é uma norma nacional. Mesmo no treinamento de maior intensidade, existe a pausa. Mesmo que os recrutas não notem, de tempos em tempos eles param para descansar o corpo. Já o trabalho psicológico é sempre intenso. A pressão, através de ordens diretas, bradadas a todo pulmão pelos instrutores tem a finalidade de condicionar o soldado para, numa batalha, saber quais ordens seguir. Se os instrutores não fizerem isso, o combatente fica sem liderança e não consegue agir em conjunto no momento mais necessário.

As oficinas, como são chamadas cada pista de treinamento, são montadas e aplicadas com muita precisão e detalhes. A segurança sempre vem em primeiro lugar. Até a qualidade da água onde serão realizadas as provas é testada. Se não tiver condições sanitárias mínimas, é descartado. Mais importante: Cada tipo de oficina (ou pista) tem instrução específica, ministrada por um oficial especializado naquela área. As ordens e chamadas de atenção constantes são uma maneira de manter toda a concentração dos recrutas no instrutor, de modo a não deixar nenhum detalhe perdido. A exigência física é grande, mas superável. A dificuldade é imensa, mas é um desafio. Com essa intensidade o garoto aprende a ser homem e ir mais além. Ele vibra a cada instante. Sorrisos eram comuns ao final de cada etapa. Congratulações entre eles pelas pequenas, mas árduas, vitórias tornam-se constantes.

Posso dizer que completei uma lacuna que havia em minha juventude. Eu não servi o exército na minha época e esta experiência foi uma vitória pessoal muito grande, um autoexame de minha forma de encarar as dificuldades. Sinto como se tivesse realizado um dos meus maiores desafios e aprendi que humildade e parceria valem muito mais que força. União e crescimento pessoal só se fazem com desapego. Saindo da zona de conforto é que você consegue ver os outros como são: pessoas iguais e melhores que você, mesmo não aparentando.

Agradeço a todos os oficiais, praças e recrutas pela acolhida. Especialmente ao comandante do grupo, Ten Coronel Chiesa, que tornou-se grande amigo e tutor. Seu convite me proporcionou acesso a uma escola da vida, à qual eu não teria oportunidade de frequentar nesta altura da vida. Aos subtenentes Benedito Lino e Dilmar, o meu grande abraço e obrigado pelas instruções e dicas para não errar no exercício. Aos soldados antigos, cabos, sargentos, tenentes, capitães e majores, parabenizo pelo excelente trabalho. Aos soldados, especialmente da tropa Alfa, da Bateria de Comando, o meu respeito e admiração. Vocês são Guerreiros mesmo. Obrigado pelo apoio e aceitação.

LAPA!

ARAMIS JOSÉ GORNISKI

Jornalista, soldado honorário na Operação Boina Preta.

Como me tornei o Recruta Zero no 15º GAC AP

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