Ditadura por decreto, Dilma???

A Câmara dos Deputados reagiu e, enfim, derrubou, na terça-feira, 28 de novembro, o decreto bolivariano da presidente Dilma Rousseff, destinado a criar conselhos populares em órgãos da administração pública. A matéria foi assinada no final de maio em uma canetada da presidente e foi alvo de críticas de juristas e parlamentares. O Senado ainda tem de avaliar o projeto de decreto legislativo para que a determinação do Planalto seja suspensa.

O DECRETO

O decreto número 8.243/2014 foi criado sob o pretexto de instaurar a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). Mas, na prática, prevê a implantação de “conselhos populares”, formados por integrantes de movimentos sociais, vinculados a órgãos públicos. A matéria instituiu a participação de “integrantes da sociedade civil” em todos os órgãos da administração pública. Porém, ao trazer uma definição restritiva de sociedade civil, representa um assombroso ataque à democracia representativa e à igualdade dos cidadãos ao privilegiar grupos alinhados ao governo.

O decreto do Palácio do Planalto é explícito ao justificar sua finalidade: “consolidar a participação social como método de governo”. Um dos artigos estabelece, em linhas perigosas, o que é a sociedade civil: “I – sociedade civil – o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Ou seja, segundo o texto assinado por Dilma, os movimentos sociais – historicamente ligados ao PT – são a representação da sociedade no Estado Democrático de Direito.

Além disso, a institucionalização de conselhos pelo Decreto 8.243 leva à ascensão política instantânea de “revolucionários profissionais” – pessoas que dedicam suas vidas inteiras à atividade partidária, em uma tática já antecipada por Lênin em seu panfleto “Que Fazer?”, de 1902 (capítulo 4c). Explico melhor. Vamos supor que o Decreto seja um texto bem intencionado, que de fato pretenda “inserir a sociedade civil” dentro de decisões políticas. Ora, quem exatamente teria tempo para participar de “conselhos”, “comissões”, “conferências” e “audiências”? Obviamente, não o cidadão comum, que gasta seu dia trabalhando, levando seus filhos para a escola e saindo com os amigos. Tempo é um fator escasso, e a maioria das pessoas simplesmente não possui horas de sobra para participar ativamente de decisões políticas – é exatamente por isso que representantes são eleitos para essas situações. Quem são as exceções? Não é difícil saber. Basta passar em qualquer diretório acadêmico: ele estará cheio de “revolucionários profissionais”, cuja atividade política extraoficial acabou de ser legitimada por decreto presidencial.

Exatamente por esses motivos, tal forma de organização confere a extremistas possibilidades de participação política muito mais amplas do que eles teriam em uma lógica democrática “verdadeira” – na qual ela seria reduzida a praticamente zero.

O Legislativo “oficial” – aquele que contém representantes da sociedade eleitos voto a voto, representando proporcionalmente diversos setores – perde, de uma hora para outra, grande parte de seu poder. Decisões estatais só passam a valer quando legitimadas por órgãos paralelos, para os quais ninguém votou ou deu sua palavra de aprovação – e cujo único “mérito” é o fato de estarem alinhados com a ideologia do partido que ocupa o Executivo.

Pior: a administração pública é engessada, estagnada. Não no sentido da demora na tomada de decisões, mas em outro: os cargos decisórios desse “poder Legislativo paralelo” passam a ser ocupados sempre pelas mesmas pessoas. Suponhamos, em um esforço muito grande de imaginação, que o PT perca as eleições presidenciais de 2018 e seja substituído por, digamos, Levy Fidelix e sua turma. Com a reforma promovida pelo Decreto 8.243 e a ocupação de espaços de deliberação por órgãos não eletivos, seria impossível ao novo presidente implantar suas políticas aerotrênicas: toda decisão administrativa que ele viesse a tomar teria que, obrigatoriamente, passar pelo crivo de conselhos, comissões e conferências que não são eleitos por ninguém, não renovam seus quadros periodicamente e não têm transparência alguma. Ou seja: ainda que o titular do governo venha a mudar, esses órgãos (e, mais importante, os indivíduos a eles relacionados) permanecem dentro da máquina administrativa ad eternum, consolidando cada vez mais seu poder.

OU SEJA…

O Decreto 8.243 é, possivelmente, o passo mais ousado já tomado pelo PT na consecução do “socialismo democrático” – aquele sistema no qual você está autorizado a expressar a opinião que quiser, desde que alinhada com o marxismo. Sua real intenção é criar um “lado B” do Legislativo, não só deslegitimando as instituições já existentes como também criando um meio de “acesso facilitado” de movimentos sociais à política.

Boa parte dos leitores pode estar se perguntando: “e daí?”. Afinal, sabemos que a democracia representativa é um sistema imperfeito: suas falhas já foram expostas por um número enorme de autores, é verdade.

No entanto, a democracia representativa ainda é “menos pior” do que a alternativa que se propõe. Um sistema onde setores opostos da sociedade se digladiam em uma arena política, embora tenda necessariamente a favorecimentos, corrupção e má aplicação de recursos, ainda possui certo “controle” interno: leis e decisões administrativas que favoreçam demais a determinados grupos ou restrinjam demasiadamente os direitos de outros em geral tendem a ser rechaçadas. Isso de forma alguma ocorre em um sistema onde decisões oficiais são tomadas e “supervisionadas” por órgãos cujo único compromisso é o ideológico, como o que o Decreto 8.243 tenta implementar.

Esse segundo caso, na verdade, nada mais é do que uma pisada funda no acelerador na autoestrada para a servidão.

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