Na terra do tuiuiú

Se o pernalta tuiuiú é o símbolo do Pantanal,  o atarracado Rondon é a simbiose perfeita da gente mestiça do Mato Grosso. É seu nome que batiza o aeroporto onde me chamam para o embarque, depois de ter passado dias agradáveis nesta região. Cândido Mariano, o Marechal Rondon, é um dos mais famosos representantes de um povo valente, cujo lema em relação aos indígenas – “morrer se preciso for, matar nunca” – sintetiza o aspecto humanista do seu caráter.

A um passo da Chapada dos Guimarães e outro do Pantanal, Cuiabá superou minhas expectativas. O nome Cuiabá tem  várias versões. A primeira diz que tem origem em ikuiapá, que significa  “lugar da ikuia” (ikuia – flecha, arpão, flecha para pescar; pá – lugar), que designa uma localidade onde os bororos costumavam caçar e pescar com flecha. Outra explicação é a de que seria uma aglutinação de kyyaverá (que em guarani significa “rio da lontra brilhante”) em cuyaverá, depois cuiavá e, finalmente, cuiabá. Uma terceira hipótese diz  que a origem está no fato de existirem plantas produtoras de cuia à beira do rio, e que “cuiabá” seria “rio criador de vasilha”. Martius traduziu o vocábulo como “fabricante ou fazedor de cuias”. Teodoro Sampaio interpretou como “homem da farinha”, o farinheiro. De cuy, farinha, e abá, homem. O certo é que até hoje não se sabe ao certo a origem do termo.

É uma cidade pujante, progressista, mas que não esquece do passado, onde realidade e lenda se mesclaram na mesma  medida que índios, negros e brancos. Os mitos, na maioria, são de arrepiar, como o da sucuri que engoliu um dentista, o da onça da mão torta e o do gorila arranca-língua. Eles representam a herança cultural indígena, que a mistura de raças só fez enriquecer. Deixando a ficção de  lado, vou contar uma história cuiabana, que não acreditaria se meus olhos não tivessem visto. Ele se chama Valtinho. Ela, Marlene. É ele quem manda. Ela faz o que ele bem quer, sob uma só condição: de que a trate bem. Se ele quer que ela vá para a esquerda, ela vai. Para a direita, é só mandar. Até a ré ela dá, mas, neste caso, bem devagarinho.  De nada ela reclama e, ainda por cima, o defende de cobras e lagartos que, de tão grandes, são denominados jacarés. Ciumenta, não admite que as piranhas se aproximem de Valtinho. O pior é que ele só a visita uma ou duas vezes por semana, e ainda traz alguns amigos inconvenientes. Mesmo assim, ela o aguarda, sempre limpinha, com o freezer apinhado de cerveja, geladinha como ele gosta. Além disso, tem que aguentar, durante  horas, aquele papo chato de pescador sobre pacus, dourados e pintados.

Se você é daqueles que, em pleno terceiro milênio, são metidos a machões e está com inveja do cuiabano Valtinho, faça como ele, compre um barco, batize-o com nome de mulher e convide seus amigos para pescar no rio Cuiabá. Eles vão adorar.

() General da Reserva

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