O reconhecimento do direito do outro: quando o pequeno grita

O artigo intitulado “Implantação de Faxinais” publicado neste jornal no dia 23 de agosto revela a persistência de preconceitos localizados em setores de uma sociedade que não conseguiu transitar de forma completa para um país plural e democrático, mantendo-se alheio aos direitos e garantias constitucionais que reconhecem após a CF de 1988, a diversidade étnica e cultural como pilares da composição da sociedade paranaense e brasileira, reconhecida pelo seu caráter pluricultural.

Aliás, foi contra o pensamento autoritário de uma nação assentada em fundamentos racistas e segregacionistas, que desde o período colonial grupos de camponeses vêm organizando-se a fim de recobrar a liberdade de expressão e o direito à diferença como condição fundamental ao estabelecimento da democracia e de um país para todos. No entanto, persiste ainda, a dificuldade em conhecer e reconhecer a existência de modos de vida e organização social distintas na formação de nossa região, o que se deve entre outros motivos, em sua origem, a semelhante concepção que amparou por muitos séculos nos Estados Unidos e na África do Sul o regime de Apartheid Social, pelo qual a segregação racial e étnica era tratada como uma política de Estado sustentada na crença da superioridade étnica e cultural, ou seja, alguns grupos sociais seriam superiores a outros, e por sua vez os considerados “atrasados” ou “primitivos” deveriam ser marginalizados e gradualmente extintos, sendo tratados como cidadãos de segunda categoria. Não obstante, essa página da história tenha sido virada nesses países, ainda é possível identificar posturas que se assemelham àquelas.

No caso dos povos e comunidades tradicionais, essa forma de distinção negativa, tem servido, desde muito, há diversos interesses econômicos que se utilizam do artifício da desqualificação social e cultural dessas populações e de suas formas especificas de se relacionar com os recursos naturais e a terra, com o nítido objetivo de questionar direitos atinentes a grupos indígenas, quilombolas e faxinalenses.

A este conduta chamamos tecnicamente de racismo socioambiental, que consiste em preconceitos referidos às injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados, que passam a ser discriminados por sua forma de organização social, sua origem ou cor.

Sem desejar o rotulo fácil ou a intimidação sem efeito ao douto senhor, preferi recuperar alguns equívocos que certamente deverão contribuir com a compreensão do referido tema. Inicialmente faço recordar que o Estado brasileiro reconhece desde 2004 os faxinalenses como comunidades tradicionais, fato inquestionável, uma vez que amparado na Constituição Cidadã de 1988 (art. 215 e 216) em Decreto Federal e Ato Legislativo do Senado Federal que reconhece o direito de povos e comunidades tradicionais ao autorreconhecimento (OIT 169). Nessa esteira jurídica ainda dispõe-se da Lei Estadual n. 15.673/2007 e de diversas Leis municipais, além de inúmeras pesquisas cientificas que comprovam sua existência, sobretudo no município da Lapa. Aliás, foram identificados no interior da Lapa a existência de mais de 15 faxinais, portanto, informamos que não se trata de “implantar faxinais”, como o nobre vereador tenta induzir, mas de reconhecê-los, uma vez que lá eles estão, como o próprio legislador afirma, há mais de 100 (cem) anos.

O que torna difícil compreender e aceitar é que após todo esse tempo de repressão e humilhação algumas dessas comunidades descobriram seus direitos através da organização de seu movimento social faxinalense, e agora podem decidir sabendo que seu modo de vida não é uma expressão do fracasso, mas de sua dignidade reconhecida pelo Estado brasileiro.

Lembramos também sobre a necessidade do diálogo ao fazer prevalecer o respeito e a verdade e não o pavor e apreensão que o Sr. tenta espalhar com mitos e falsas idéias sobre a degradação ambiental promovida por criações soltas, ou problemas sanitários decorrentes de zoonoses. Antes solicito que seja honesto e apresente informações concretas para o bem da ciência e do meio ambiente não use de subterfúgios e argumentos evasivos. Nesse sentido recomendamos que consulte o MMA, ICMBIO, IAPAR, UNICENTRO e EMBRAPA para verificar que pesquisas realizadas em faxinais detectaram nos últimos anos, ainda que em situações limite, uma farta biodiversidade florestal e animal nestas áreas. Além do que, é notório que centenas de agricultores familiares faxinalenses somente permanecem na roça porque dependem dos faxinais, uma vez terminados, seu destino inexoravelmente é a cidade, o mato dá lugar à lavoura extensiva ou plantações de monocultivos florestais e a sustentabilidade ambiental torna-se uma ilusão.

Sabendo que pertence a uma Casa de Leis, cujo um dos princípios é a defesa dos interesses da população de seu município, recomendo que conheça as Leis Faxinalenses e o ordenamento jurídico que as sustenta, sugestão que faço para que não desvirtue o sentido que tais leis dispõe. Ou seja, ninguém é obrigado a ser faxinalense ou agir como faxinalense, esse livre-arbítrio não ameaça nenhum cidadão lapeano. Por outro lado, é nosso dever considerar que aqueles que assumem consciência de sua condição social de faxinalense devem ter assegurados seus direitos étnicos, coletivos e territoriais, a fim de que possam reproduzir sua cultura e modo de vida. Portanto, antes que se queira decidir mais uma vez sobre como o outro deve ser, considere que a garantia da cidadania e da democracia da população do município da Lapa passa pelo respeito à diferença, caminho pelo qual se constrói a igualdade e a justiça.

Coordenação Executiva da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses: Acir Tullio, Amantino Sebastião de Beija, Hamilton José da Silva, Ismael Kloster, Reginaldo Kuasnhaki, Tarcísio Maistrovicz.

(Direito de resposta concedido pelo Jornal Tribuna da Lapa referente ao artigo publicado pelo vereador Acyr Hoffmann na data de 23 de agosto de 2010.)

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