Governador por um dia

“Por que as meninas não puderam participar?” A pergunta da repórter de uma televisão local soava como acusação e quase me derrubou. Ela cobria um dos eventos que realizávamos em Curitiba para comemorar a Semana do Soldado. A ideia tinha partido do meu amigo Britão. A mim, como oficial de comunicação social, coube apenas o mérito, se é que aí existe algum, de ter-lhe batizado: “Soldado por um dia”.

Ofertávamos a diversas escolas vagas para que alunos da 4ª série do ensino fundamental vivenciassem algumas atividades exercidas pelos soldados. Deu um trabalho danado, mas a experiência virou um sucesso. Mais tarde, o Exército sugeriria a todas as suas unidades que a implementassem.

”Porque é um projeto-piloto. Como ainda está em teste, resolvemos realizá-lo somente com meninos. No ano que vem, pretendemos abri-lo também para meninas”. Com essa meia-verdade respondi à repórter. Era, realmente, um programa-piloto, mas não cogitávamos a presença feminina, pois precisaríamos de uma monitora para cada grupo de dez “soldadinhas”. Como, na época (1990), ainda não havia mulheres no Exército, não dispúnhamos desse apoio, imprescindível no caso.

Mas, para não passar por mentiroso, no ano seguinte, 50 meninas participaram do programa, o que só foi viável graças à colaboração de universitárias de educação física.

Por certo, as crianças, de 9 e 10 anos, que passaram pelo programa, conservam na memória aquele dia especial. Devem ter guardado o diploma de participação e inúmeras fotos onde aparecem fardadas, marchando, na pista de cordas, no cabo-de-guerra, na pista de orientação, passeando em blindados, hasteando a bandeira, na fila para o rancho ou dormindo em barracas.

Pois bem, essa pequena historia mostra como, em pouco mais de vinte anos, a presença da mulher na sociedade brasileira cresceu. Uma delas estar exercendo o mais alto cargo da nação sintetiza como evoluímos.

Mas, se caminhamos para a frente em alguns setores, em outros a transformação teve caráter involutivo. A farra com o gasto público é um deles. Prova mais recente são as notícias sobre a pensão de R$ 24,8 mil a que se julgam merecedores os ex-governadores. Alguns passaram quatro anos. Outros, menos. Há casos estarrecedores, como o de um que vai receber por dois estados. Senadores, que já ganham uma bolada, contarão com outro contracheque a ser bancado pelo contribuinte. A lista inclui ainda outro que, por ter respondido pelo governo por apenas nove dias, será contemplado com esse prêmio de uma loteria de cartas marcadas.

De certa forma, lamento ter batizado o nosso evento de “Soldado por um dia”. Se o tivéssemos denominado “Governador por um dia”, bastaria àquelas centenas de crianças de então, hoje adultas, munidas do diploma de participação e de algumas fotos, habilitarem-se a receber uma atraente pensão. Afinal, não faz muita diferença ter sido governador por um ou nove dias. Seria a maneira de transformar em grito o murmúrio de indignação de toda uma sociedade.                                                                

 () General da Reserva

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