A criação da Comissão da Verdade: Solução ou Vingança?

Como diz o ditado popular, o Brasil começa a funcionar somente depois do Carnaval. Uma das provas de que tal corolário pode ser considerado como verdade, é que já se passaram três meses desde a posse da Presidente Dilma e só agora foi trazida ao debate nacional uma questão que, desde o fim da Ditadura, sempre despertou discussões acaloradas entre políticos, advogados, militares e diversos membros da sociedade civil em geral: a aprovação de um Projeto de Lei criando uma Comissão Nacional da Verdade com o fim de investigar as mazelas e desmandos supostamente praticados pelos militares em frontal violação dos direitos humanos dos então reacionários e subversivos de nosso país.

Com o devido respeito, quiçá por ser nossa Presidente um dos personagens centrais de tais arbitrariedades militares, o gabinete da Presidência e o Ministério dos Direitos Humanos elegeram a criação desta comissão como um dos pontos de fé de sua gestão. Mas a questão não é tão simples como parece. Como dito anteriormente, tal assunto sempre foi tratado com muita reserva desde que o regime democrático voltou a imperar em nosso país. E isto tem uma razão de ser, pelo menos em nosso entendimento.

Se por um lado já está sinalizado que o principal objetivo dessa comissão não será a instauração de nova persecução penal contra os envolvidos por força dos ditames da Lei da Anistia, a maior justificativa de sua criação é dar uma satisfação à sociedade e principalmente aos familiares daqueles que sucumbiram às barbáries praticadas por alguns militares. Não se discute aqui a essência magnânima da criação de tal comissão, mas sim, se efetivamente ela conseguirá alcançar resultados práticos, em especial por não existir ainda um critério objetivo que servirá para a indicação dos personagens que irão integrá-la.

Ora, não se pode negar que durante o período da ditadura militar travou-se uma guerra suja e silenciosa entre militares e civis contrários ao regime. Logicamente que ambas as partes, cada uma com sua intensidade ou objetivo, por diversas vezes fizeram letra morta da Constituição, Leis e Tratados, praticando uma série de atos ilegais, como torturas, assassinatos, assaltos e sequestros.

Estudos, livros e diversas publicações comprovam tais afirmações. Do lado da sociedade civil, o livro-denúncia Brasil: Nunca Mais – um sucesso de vendas, se revela como a maior fonte probatória das condutas ilegais praticadas pelos militares durante os tempos da ditadura, atestando, mediante relatos extraídos dos próprios processos do Supremo Tribunal Militar um cem número de arbitrariedades violadoras de direitos humanos de cidadãos comuns.

Por outro lado, as conclusões do projeto ORVIL (livro escrito de trás pra frente) – que se trata de um manuscrito elaborado pelos militares descrevendo um relato minucioso da atuação dos subversivos sob a ótica direitista, comprovam que os civis, igualmente, praticaram atos ilegais para justificar sua ideologia contrária ao sistema. Partindo-se dessa premissa, muito cuidado deve ser adotado na escolha dos sete integrantes desta comissão. De acordo com o Projeto de Lei que tramita no Congresso, estes integrantes deverão possuir “reconhecida idoneidade e conduta ética” e serão escolhidos pela Presidente.

Desta forma, não se pode deixar de considerar que muitos dos que hoje circulam nos meios políticos de nosso país, mesmo possuindo os requisitos exigidos pela Lei para ocupar cargos nesta Comissão, sofreram na pele as arbitrariedades da ditadura, sendo óbvio ululante o comprometimento ideológico de suas posições, não se precisando de muito esforço para se levantar indagações sobre a efetiva imparcialidade da futura Comissão da Verdade.

Não está aqui se fazendo um juízo prematuro, muito menos sensacionalista para proteger quaisquer dos lados envolvidos ou sendo manifestada opinião contrária a criação de tal Comissão. O que se pretende, sabendo-se dos comezinhos e chicanas que sempre permearam atuações políticas em nosso país em temas de alta repercussão como este, poderá ser criado um órgão de repressão contra os então ditadores militares da época, por puro revanchismo ideológico, indo em direção completamente oposta ao regime democrático que hoje vigora.

Ou seja, se os escolhidos para esta comissão tiverem qualquer tipo de ligação contra ou a favor dos atos daqueles tempos, com a mais absoluta certeza não cumprirá ela seu papel principal de investigar, podendo vir a se revelar como um novo Tribunal Inquisitório, tendo como julgadores agora os subversivos de outrora, tentando fazer uma vingança tardia e sem pena, somente mais um carnaval para a mídia.

João Paulo Maranhão 
é advogado do Escritório Katzwinkel & Advogados Associados.

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