Nos anos 1950, o Brasil encontrava-se diante de um desafio. Sair do mundo rural e atrasado em que vivia, para entrar de vez na era industrial. Brasília simbolizaria essa passagem.
Bem antes, em meados do século XVIII, a necessidade de interiorizar a capital havia sido sugerida pelo Marquês de Pombal. A ideia foi retomada pelos inconfidentes e reforçada logo após a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808.
Em 1822, José Bonifácio já tinha um projeto de Brasil. Abolicionista convicto, defendia a transformação dos escravos em “cidadãos ativos e virtuosos”, e uma reforma agrária que substituísse o latifúndio improdutivo pela pequena propriedade. Propunha uma educação primária e gratuita para todos. Pregava pela transferência da sede do governo do Rio de Janeiro para uma cidade a ser construída nas cabeceiras do rio São Francisco.
Mais tarde, em 1883, na cidade italiana de Turim, o padre João Bosco teve um sonho profético: a capital do Brasil seria construída entre os paralelos 15 e 20.
Juscelino, astuto, teve a percepção de que a hora havia chegado. Carismático, até hoje é aplaudido, inclusive pelos cariocas, os grandes prejudicados por deixarem de ser o centro das decisões políticas.
Brasília teria que dar o exemplo ao Brasil. Assim imaginou Lúcio Costa ao traçar, numa folha de papel, dois eixos cruzando-se em ângulo reto, tal qual o próprio sinal da cruz, para, a partir dele, conceber o arrojado projeto que seria o escolhido para dar vida ao que muitos haviam sonhado. Em torno daquela imaginária cruz, se encontrariam diversas culturas atraídas para o Brasil Central. No máximo, quinhentas mil pessoas que, vindas de todos os cantos, seriam transformadas numa só alma.
Não há por que duvidar da honestidade do sonho de tantas pessoas. Mas, o que deu errado? Como Brasília chegou a uma perversa desigualdade social, sendo a quarta nesse critério entre todas as cidades brasileiras? Como explicar que, com tanta desigualdade, praticamente sem indústria e agricultura, representa hoje o segundo maior PIB per capita entre as capitais brasileiras? As respostas para essas questões, possivelmente, pessoas como Francenildo, o humilde e honesto caseiro, poderiam nos dar.
Na verdade, os sonhos começaram a ser desvirtuados assim que as obras iniciaram. Gastou-se muitíssimo mais do que o necessário. Talvez por isso, ao ser inaugurada em 1960, ela estava mais para avião do que para uma singela cruz. Os braços haviam se transformado em asas, balizando o setor residencial. O traço vertical passou a simbolizar o corpo de um avião, cuja tripulação passou a sorver cada vez mais recursos da nação. Na Esplanada, já são poucos edifícios para tantos Ministérios. No Congresso, não cabem todos os senadores, deputados e assessores de todo tipo.
Com o tempo, em torno do avião que haviam construído, milhares de operários, denominados candangos, foram sendo amontoados nos diversos acampamentos das empreiteiras, dos quais Candangolândia e Novacap tornaram-se os mais famosos. Posteriormente, outros candangos chegaram com a esperança de receber algumas migalhas dos banquetes servidos a bordo do avião. A população atingiu mais de 2,5 milhões, que, definitivamente, não formam uma só alma.
O mais intrigante é ter-se uma aeronave bonita, luxuosa, extremamente dispendiosa, mas que não decola. Como, segundo Lúcio Costa, Brasília deveria servir de espelho, ela não deixa o Brasil também decolar. Claro que não foi bem assim que ele sonhou.
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() General da Reserva