A educação é a obra da minha vida, não faltarei à minha missão, pois penso compreendê-la. Inimigo de todo charlatanismo, não tenho o tolo orgulho de acreditar cumpri–la com perfeição, mas tenho ao menos a convicção de cumpri-la com consciência. (Rivail, Textos pedagógicos, 1834.)
Mais sabemos de Kardec pelo que ele nos oculta, do que po
informações a respeito de si mesmo e de sua vida pessoal. Nada
com parável a um Agostinho ou a um Rousseau, que se expõe
em confissões, revelando os conflitos mais profundos. Não se trata,
porém, de um disfarce, de uma intenção deliberada de esconder
algo que não poderia ser revelado. Talvez dois motivos faziam
discrição de Rivail: ele mostrava não ter conflitos e era
extremamente modesto.
O que se pode apreender de sua personalidade, através de alguns poucos testemunhos alheios e dele próprio é que era um espírito sóbrio, austero, firme, determinado, com grande capacidade de trabalho, pouco dado a arroubos místicos e sentimentais. Um homem centrado, equilibrado, seguro, ao mesmo tempo benevolente, acolhedor, cordial. Nos primeiros escritos seus, aos vinte e quatro anos, como Rivail, todos esses traços de caráter já se revelam.
Comparando–o com outras personalidades contemporâneas, também chefes de escolas e movimentos sociais, políticos e religiosos; como Comte, Fourier e os discípulos de Saint-Simon,
Laplantine (1999) adverte que o único deles que não tinha suas excentricidades era Kardec. A discrição e a austeridade do homem, que não se pôs à frente da obra como um messias predestinado ou um objeto de veneração, pode parecer algo insosso para as pessoas viciadas no culto idólatra de falsos profetas. O personalismo, a vaidade, o exibicionismo são tão naturais e comuns entre os seres humanos, que muitos não conseguem identificar a grandeza real, que é a da modéstia.
No próprio desdobramento da doutrina espírita, Kardec apontaria como critério de reconhecimento de um espírito superior a ausência de personalismo. Na verdade, muitas religiões identificam o desprendimento de si, a humildade, o desinteresse pessoal, como próprios dos santos ou dos iluminados.
O espiritismo não cultua santos, mas os espíritas que hoje, no Brasil, se encantam com duvidosas lideranças, devem ter a sensibilidade espiritual para perceber a envergadura moral de Kardec. Não se trata de promover um culto personalista e nem tornar suas palavras, escritura sagrada, mas abordar sua obra com o respeito e a profundidade que merece. A postura de bom senso e equilíbrio de Kardec, seus textos consistentes devem, sim, servir de referência, para não nos iludirmos com obras superficiais e líderes grandiloqüentes, mas vazios.