Acabo de realizar, verdadeiramente encantado, uma visita ao precioso Memorial do Futebol, instalado com perfeição na histórica e cativante Casa Aracheski, na legendária Lapa de tantas glórias. Antes de mais nada, destaco que a Casa Aracheski é quase um monumento, um marco miliário em homenagem a uma ilustre família paranaense cujas raízes estão plantadas no Velho Mundo, na gloriosa Polônia de Mieckiewicz, Chopin e Sienkiewicz.
O interessantíssimo Memorial é fruto de um devoto fervoroso, para não dizer amante apaixonado, do Esporte das Multidões, que é o advogado Reginaldo Cleon Pinto Aracheski, figura paradigmática do clã dos Aracheski, ao qual me sinto ligado por laços de profunda e fraterna amizade.
O rico Memorial, na sua materialidade, é constituído por um vastíssimo acervo de fotos, posters, quadros e outros documentos que certamente irão fazer história. Todos eles tendo por temática, por leit motiv, o chamado esporte bretão e seus incomparáveis executantes, bem como os testemunhos dos contatos pessoais de Aracheski com figuras emblemáticas do futebol, nacional e mundial, inclusive nas Américas e na Europa.
Merece destaque especial o Rei Pelé, com mais de 70 fotos. Esse Pelé do passe matemático, simples, geométrico. Do drible exato, curto, sibilino. Do chute claro, límpido, perfeito. Do gesto lúdico, harmônico e misterioso, igual a um dardo de ébano e esperança. Do riso claro, nítido, translúcido. O olhar jorrando luz inexprimível. O soco irretocável contra o espaço enorme. Esse foi Pelé. Melhor: esse é o Pelé que não morre, florescendo para sempre na memória como um lírio negro.
Da sua galeria de personagens e do seu pantheon de heróis, além de representantes exponenciais de nossa mídia esportiva, entre os brasileiros, lembro `a vol d’oiseau mais ou menos cronologicamente, nomes como Friedenreich e Domingos da Ghia,, Heleno de Freitas e Dondinho (pai do Rei), Leônidas e Zizinho, Didi e Pepe, Nilton Santos, Gilmar e Rivelino, Gerson e Tostão, Mazola, Sormani, Amarildo e, last but not least, o admirável Garrincha. Dos ilustres lapeanos, Barcímio Sicupira Jr. (o maior ídolo e artilheiro da história do Clube Atlético Paranaense) , Patesko (o primeiro paranaense a ser convocado para o selecionado brasileiro), Lalá (que integrou o Santos de Pelé nos anos 59/61) e Waldomiro Rauth. Sem esquecer, é claro, da notória imagem do também lapeano Victor Ferreira do Amaral, que trouxe a primeira bola de futebol para o estado do Paraná em 1.903.
Entre os estrangeiros, lembro figuras como Di Stéfano, Puskas, Banks, Rivera, Yashin, Stanley Mathews e o grande Euzébio, meu patrício, que em 1966 brilhou na Inglaterra, ao lado de Coluna, Torres, Costa Pereira, José Augusto e Simões (que não é meu parente…)
O futebol nutre-se do seu visceral apetite de beleza. Busca sempre aquele belo indizível que Leonardo da Vinci (centroavante da seleção mundial da Arte) considerava a materialização do próprio Deus. É esse futebol admirável que o Memorial, em boa hora concebido e implementado pelo idealismo pragmático de Aracheski, procura homenagear, enaltecer, glorificar.
Futebol é arte. Futebol é ciência. Futebol é amor, é paixão. Arte suprema, grupo escultural em movimento, arquitetura instável sobre o tapete verde, o futebol é por excelência um espetáculo lúdico. É o território onde pontifica, altaneiro e soberbo, o homo ludens de Huizinga. É também um fato social com graves implicações na psicologia das massas. Sem deixar de ser uma realidade eminentemente estética. Ou uma faceta importante do próprio humanismo.
Quem ousará negar que o futebol é o mais belo e hierático de todos os esportes ? O grande futebolista, como qualquer artista maiúsculo, sabe aliar a inspiração à arte. Dando-lhe expressão e força. Antes de tudo, porém o jogador de futebol é um dançarino com a sua coreografia fascinante e complexa, feita de movimentos sutis, de gestos sibilinos, de arabescos mágicos.
Enfim, tive muito prazer em apor a minha assinatura modesta no Livro de Visitas do Memorial, cuja assinatura inaugural foi a do grande jornalista esportivo Carneiro Neto.
Parabéns pela sua obra singular, amigo Reginaldo. Honro-me e orgulho-me de a ter conhecido in loco. Estou convencido de que ela irá crescer, no tempo e no espaço.Deo Volente, assim acontecerá.
João Manuel Simões é poeta e prosador, com mais de 60 livros publicados, é membro da Academia Paranaense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, do Centro de Letras do Paraná e da União Brasileira de Escritores.