Uma história para não esquecer: a imigração italiana na Lapa

No mês de outubro de 2014 a Lapa recebeu visita de italianos membros da Associação Trevisana no Mundo. Na ocasião, o jornalista Riccardo Masini discursou na Câmara de Vereadores, discorrendo sobre a história da imigração italiana na Lapa e os dez anos do “Gemellagio”.

Nesta edição, você confere o conteúdo do discurso, tendo a oportunidade de conhecer um pouco sobre a imigração local. Acompanhe!

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A história emigratória de Istrana se evidencia com fortes pinceladas em paralelo com a Grande Emigração que começou no final de 1800. Nesse contexto, se introduz o fato que marcou com fogo uma aldeia – uma costela de Ospedaletto que chegou nas partes de Lapa do Paraná. É como aquela de Adão e Eva que se reproduziu, plantou raízes e fez história – entrelaçamento existencial, que tem como cena Ospedaletto e Lapa. Ospedaletto, nos fins de 1800, era uma pequena aldeia, feita de meeiros e arrendatários, com famílias numerosas onde todos rompem a espinha para remediar malmente alguma coisa para comer. Que nunca basta. E quando o desespero e a miséria tocam a fundo, não resta que a estrada da América: então, o  Brasil.  É um outono já adiantado de 1888 e doze famílias decidem partir. Ao completo. Mas nenhum retornará nunca mais.. Nem à Itália, nem a Ospedaletto.

É UMA RUPTURA NO CORAÇÃO, mas essa gente impelida pela necessidade, busca pela coragem e se agarra à esperança. Pega o trem em Istrana. O homem forte de Ospedaletto não tem medo de nada e de ninguém. Mas na primeira parada, a Albaredo, Ciccio Gemin tem um sobressalto de desespero. Salta do trem e tenta fugir, mas vem perseguido e induzido a animar-se  “OU TODOS JUNTOS OU NENHUM”, se sentencia. E a união faz a força. Embarca em Gênova, nos fundos internos de uma quebrada embarcação “Rio de Janeiro”. Foram precisos três meses de navegação: como testemunha Aurélio Bortoletto, deduzindo as narrações de seu pai Nicodemo, e conservado junto ao arquivo de Estado, em Curitiba. Mas está documentado que nem todos chegaram a Santos: o porto de destinação. Como um pequeno menino de um ano, de nome Ernesto, filho único. E, entre a indiferença do rito marinheiro, foi jogado no oceano e sepultado em seu fundo.

FORAM ENCAMINHADOS À COLÔNIA SÃO CARLOS e aqui se estabeleceram. O início foi de miséria e sofrimento.  Foram prometidos terrenos como o “Maná dos Céus e Arados de Ouro”. Na verdade, a cada família foi confiado um pedaço de terra, como dezoito campos trevisanos, para cultivar a quitação. Mas a riqueza é somente aparente, porque se trata de bosques e pedras (o mato brasileiro) para beneficiar com a força dos braços e infinito suor, do qual vieram também as primeiras habitações-barracas…Grandes figuras despontaram das dificuldades e aquilo que dizemos, os descobrimos de um destes: Bernardo Gemin, que escrevia a Ospedaletto três vezes ao ano, cartas intensas e esperadas que eram lidas nos encontros ditos”Filó” (encontros de amizades). Isso, graças também a inesquecível Rosa Gemin dita Joia, ajudada também de Yole, que continuou a manter relação epistolar com o tio. Narrações da parte brasileira, depois retomadas apaixonadamente por Nidia Baggio Gemin, uma personagem esplêndida que manteve acesa a chama de recordação e das relações de hoje.

BERNARDO GEMIN escreve também que nos primeiros vinte dias dormiram na terra. Exatamente como diz a atormentada canção sentida pouco antes: mas logo, as barracas na Colônia se enfileiravam umas às outras. E, com isso, se recompunha um pouco também o pequeno inesquecível mundo de afetos deixado em Ospedaletto. Tinham trazido de casa somente poucas roupas, mas também duas coisas essenciais: “A ATITUDE AO TRABALHO E A RELIGIOSIDADE”. A primeira construção em alvenaria na Colônia São Carlos foi a Igreja, mas ter uma igreja não significa ter um padre. E pensa nisso ainda Bernardo a substituí-lo: se torna catequista em sua própria casa, rezando orações e entoando cânticos religiosos: os mesmos que subiam com o odor do incenso, na igreja de Ospedaletto.  Entre os “grandes” também Cecília, carismática, mãe de Nidia que manifesta testemunho vivo e direto, nascido da alma e do coração das pessoas. Falando com ela deslizavam histórias de antigos antepassados: aqueles de Ospedaletto.

GRANDES E CARISMÁTICAS ESSAS PESSOAS, mais do que bispos e papas a colocar sobre os altares. Fazendo história não são somente os grandes personagens, mas também a anônima mas preciosa essencialidade humana da gente simples. DESTES POSTULADOS se desenvolveu uma intensa rede de valores e solidariedades que produziram também um ilustre arcebispo, aquele de Londrina:  Albano Cavallin, grande coração e grande amigo de Ospedaletto. Na Lapa, na tranquilidade de uma celebração religiosa, nos entregou simbolicamente um fruto do pinheiro do Paraná, símbolo do Estado. O plantamos e enraizou-se:agora desponta em meu jardim: como semente fecunda, no sulco da história. Um coração e uma alma que se uniram a outros, entre os quais a preponderante vontade dos Prefeitos de Lapa Paulo Cesar Furiatti e de Istrana Marco Fighera. Nesse “MOTOR HUMANO” de grande impulso, também outros nomes se destacam. Não poucos, mas admito: dois por todos , dispostos em particular mérito:  Enzo Fiorin e Evaristo Gemin aqui conosco.

NÓS TAMBÉM CHEGAMOS À LAPA. Em anteprima. Era 1991. E admiramo-nos de sermos levados primeiramente, antes de qualquer outro lugar, ao cemitério da Colônia São Carlos. Alí encontrei tantos de nossos conterrâneos, mas os “PIONEIROS” dessa epopeia, os encontrei naquele pequeno cemiteriozinho, cheio de altarzinhos, com os seus nomes de tocantes sons de nossa terra, escritos sobre as pedras de mármores. No mesmo ano, uma primeira comitiva de quatro descendentes, tornaram à terra dos pais, acolhidos ao som dos sinos e de uma aldeia em festa. Nunca mais tanta festa assim..

 E então, como depois e agora, encontramos os seus descendentes. Com os olhos e os traços dos rostos estampados  numa inacreditável semelhança física com tanta gente de Ospedaletto.

Nidia, o nome de Ospedaletto, o  pronuncia simpaticamente em dialeto, com sotaque lusitano. Uma vez, à minha pergunta sobre o que tinham lhe contado os seus antepassados, me respondeu: Queriam tornar, mas não podiam. Se resignavam e se desafogavam a seu modo, isto é, colocando sempre nos seus discursos um precedente molhado de saudades. “Era uma vez, quando éramos em Ospedaletto”

NA LAPA  senti chamarem-me de “Ermano”. Acreditava que tivessem errado o meu nome. E, ao invés, quer dizer “IRMÃO”.  Na Lapa, vi Beatriz dizer-nos: ”VOLTEM” com as lágrimas que lhe regavam o rosto como gotas de orvalho num campo de primavera. Inesquecível também a irrupção no aeroporto de Curitiba quando alguns amigos lapeanos correram a nos saudar: os cercamos e por instinto cantamos com eles o mais tocante “AMICI MIEI” que tenha existido no mundo. Um romance?… Não, só um fato de sensibilidade humana que corre nas veias e palpita dentro sobre o fio que costura as distâncias e conduz a amada origem: INVISÍVEL, por 116 anos, mas que continuou a morar dentro da emoção de cada um.

“Todo mundo é aldeia fora Istrana”, assim reivindica Istrana e sua ambiciosa existência…..”Lapa, Cidade Legendária, responde Lapa, como sinal dos acontecimentos épicos acontecidos sobre o seu território.  Ambas, sugestivas definições que colocam ao centro, por abuso de sentimento e de pensamentos. Também o fato daquele exército de gente de Ospedaletto, que aqui plantou novas raízes tornando-se protagonistas e dando fôlego a novas esperanças

Um Gemin que cuidava zelosamente os antigos tesouros de uma escola, conservados em uma casa de madeira construída por Domenico Serena´, encontraram num texto para” O ensino da leitura de italiano”, a seguinte poesia:

“EXISTE UMA GRANDE CASA BELÍSSIMA / QUE DE UMA PARTE AMPARA OS LADOS ÀS MONTANHAS, E DE TRÊS LADOS SE ALONGA EM MEIO AO MAR/ ESTA CASA,GRANDE, BELÍSSIMA/ SE CHAMA ITÁLIA/  AQUELES QUE LÁ HABITAM: SÃO TODOS IRMÃOS E SE CHAMAM  ITALIANOS”.

Penso que, nesta simples, mas ardente composição existisse já os germes e os pressupostos, não só porque os caríssimos descendentes de Lapa e Ospedaletto se sentissem  irmãos. Mas “GÊMEOS” de sangue:

E essa importantíssima iniciativa cívica e humana de aniversário de “gemellaggio” parece quase, como quase uma formalidade de um acontecimento já escrito e adquirido, na Bíblia do coração e da gente..Que já se realizou, naturalmente. E que merece ser extrapolada pela crônica. Para um “gemellaggio” verdadeiro, de sangue e de história…..E que história….

Tenhamo-la estreitamente abraçada.

Viva Istrana!!!!!Viva Lapa!!!!”

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