Há cinco anos, em uma tarde de 12 de janeiro de 2010, um terremoto de escala 7, ou seja, considerado de grande magnitude, ocorreu próximo a capital do Haiti, Porto Príncipe. Em menos de um minuto a natureza revelou sua face imprevisível e devastadora.
O Haiti é um país que já passou por guerras civis e massacres, além de ser permanentemente assolado por furacões, enchentes e epidemias. Pois a sofrida população do país mais pobre das Américas passava por mais uma provação. Era uma catástrofe de proporção enorme, como nunca ocorrera antes. Estima-se que tenham morrido naquele fatídico 12 de janeiro em torno de 250.000 pessoas. Para se ter uma noção do tamanho do desastre, o número foi o dobro de vítimas da bomba atômica lançada em Hiroshima, em 1945.
As estatísticas não são precisas. Nunca se pode catalogar ou contar os corpos adequadamente. Muitos foram lançados em covas coletivas, de forma precipitada e sem identificação, pois já começavam a entrar em putrefação. Outros, simplesmente ficaram sepultados sob os escombros, de onde nunca foram removidos. Os casos de amputação de membros foram incontáveis. Famílias inteiras foram dizimadas. Crianças ficaram órfãs. Não há um morador de Porto Príncipe que não tenha um parente ou um amigo morto no terremoto.
Na época da catástrofe havia cerca de 900 militares brasileiros compondo a MINUSTAH, a Missão das Nações Unidas para pacificação do Haiti. A tarefa dos chamados “capacetes azuis” já estava caminhando para o final, após 6 anos de esforço. Os bandos e gangues armadas que anteriormente aterrorizavam o país haviam sido desbaratadas. Os chefes do crime locais foram presos ou acabaram mortos nos confrontos com as tropas. Mesmo que ainda tumultuadas, as eleições estavam ocorrendo periodicamente. As instituições vinham se fortalecendo e o país, lentamente, caminhava para uma situação de normalidade. Os problemas de saneamento básico, saúde e educação persistiam, mas havia uma nítida evolução, especialmente nas questões políticas e de segurança.
Em 12 de janeiro de 2010 tudo mudou!
Aqueles brasileiros, junto com outros soldados da paz, foram tragados pelos acontecimentos. Se o efetivo era pequeno para o tamanho do desastre, seus atos os tornaram grandes. Suas ações foram firmes, ágeis e, principalmente abnegadas. O pátio do Batalhão Brasileiro, o BRABAT, virou um hospital a céu aberto. Os colchões dos alojamentos transformaram-se em leitos para os haitianos que chegavam aos milhares em busca de socorro. Os médicos e enfermeiros militares fizeram o possível para atender a população. Foram mais de 72 horas sem dormir. Cirurgias, curativos, partos e todos os tipos de atendimentos foram prestados. O trabalho era sem fim. Ao mesmo tempo, as tropas que antes faziam as patrulhas viraram equipes de resgate.
O que eles fizeram foi pouco para o tamanho da tragédia, mas foi muito além do podiam. E o fizeram porque sabiam que, naquele momento, era o que tinham de fazer.
Esse breve relato daquele episódio dramático e dos fatos que o sucederam dão a noção da dimensão do terremoto e da grandeza das ações dos que lá estavam.
Desembarquei na capital haitiana em julho de 2010, seis meses após a tragédia, e lá permaneci até 2011. As cicatrizes ainda estavam por toda a cidade, mas principalmente na alma daquela população tão guerreira. Duas imagens marcantes faziam lembrar o tempo todo o que havia ocorrido. A primeira eram os prédios desabados, que pareciam um sanduíche de camadas de lajes. A outra era os mares de lona dos incontáveis abrigos improvisados surgidos em todas as áreas abertas de Porto Príncipe. Estimava-se em cerca de 1 milhão de desabrigados. Chamava atenção a quantidade de crianças que vagavam pelas ruas, à toa e normalmente em grupos. Quando perguntávamos onde estavam os pais, a resposta invariável é que haviam morrido no terremoto.
Dentre as vítimas, pereceram 18 militares brasileiros, alguns dos quais tive a honra de conhecer e servir juntos. A eles, que pereceram no cumprimento do dever, presto minha homenagem.
O Coronel João Eliseu Souza Zanin, comandante do 15º GAC AP, entre 2005 e 2006 foi um dos falecidos no 12 de janeiro de 2010. Há 5 anos atrás o Exército perdia um militar de valor, a família perdia um ente querido e a Lapa perdia um filho que adotara esta cidade no coração. À memória do Cel Zanin, presto minha continência, símbolo do respeito militar, por ter sido um digno representante do Brasil e o saúdo com o brado do 15º GAC AP, o Quartel da Lapa, que com tanto orgulho comandou: “Há uma só ordem: resistência a todo transe. Lapa!”
Tenente-Coronel Cezar Carriel Benetti – Comandante do 15º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado (15º GAC AP).