“O povo brasileiro não dá importância à educação”

Poucos homens públicos associaram tanto seu nome a uma causa única quanto o ex-ministro da Educação e Senador pelo PDT (DF) Cristovam Buarque, 71 anos. O engenheiro mecânico nascido em Recife (PE), primeiro em sua família a alcançar o Ensino Superior, fez da defesa da educação uma pregação monotemática. Depois do doutorado em Economia na Universidade de Sorbonne, em Paris, onde viveu nove anos exilado para escapar da ditadura militar, deu início a uma vida pública voltada ao combate do analfabetismo e da má qualidade dos colégios brasileiros.

Em março de 2015 ele concedeu entrevista ao jornal Zero Hora, do grupo RBS, detalhando sua visão sobre os desafios da educação brasileira. Leitura extremamente válida para o atual momento. Confira parte dela, neste Bate Papo (para acessar a entrevista na íntegra, acesse: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/03/cristovam-buarque-o-povo-brasileiro-nao-da-importancia-a-educacao-4709545.html)

ENTREVISTA

Zero Hora — Como o senhor define a qualidade da educação brasileira hoje?

Cristovam Buarque — Se a gente compara a educação brasileira de hoje com a de 30 anos atrás, melhorou. Se compara com o que se exige hoje da educação, nós pioramos. É como se nós avançássemos ficando para trás, porque as exigências educacionais crescem mais rapidamente do que a educação brasileira melhora. Há 30 anos, nem tinha escola para 30% das crianças. Agora, elas estão na escola, mas em escolas muito deficientes.

ZH — Quais as principais razões para esse cenário?

Cristovam Buarque — Duas razões. A primeira é cultural. Por algum motivo, o povo brasileiro, incluindo você, eu, sendo pobres ou não, não dá importância à educação. Ninguém é considerado rico no Brasil por ser culto. Você é considerado rico pela casa, pela conta bancária, pelo tamanho do carro, mas não pelo grau de cultura e educação. Mesmo quem gasta dinheiro para estudar não está em busca de cultura, está em busca do emprego que a educação lhe dá. E a segunda razão é social e política: o Brasil é um país dividido em duas classes bem separadas. Tudo o que é da parte rica, a gente resolve. O que é da parte pobre, a gente abandona.

ZH — Foi para forçar a aproximação dessas duas realidades que o senhor propôs que todo político fosse obrigado a matricular os filhos em colégio público?

Cristovam Buarque — Não, foi por questão ética. Se a gente cuida das coisas públicas, não deveria se esconder nas soluções privadas. Mas, voltando à segunda causa do atraso, que é política, nós melhoramos a educação dos filhos dos ricos – inclusive usando dinheiro público para isso. Aí abandonamos a educação dos pobres como abandonamos água, esgoto, transporte, segurança.

ZH — Países como a Finlândia investem na formação e na seleção dos melhores professores. Qual a melhor política para o Brasil nessa área?

Cristovam Buarque — A primeira condição, mas não suficiente, é o salário. Se você paga bem, você tem condição de atrair jovens melhores, mais preparados para aquela profissão. A segunda é, já que vai pagar bem, escolher bem os professores. O que significa não só o concurso, mas a prática, para ver se essa pessoa realmente tem vocação e tem preparo. Uma terceira é avaliação periódica do professor.

ZH — Isso tem relação com outro tema polêmico que é a meritocracia. É boa ideia vincular desempenho a prêmio financeiro?

Cristovam Buarque — Todos nós reconhecemos aquilo que a gente gosta e respeita. O professor tem de ser melhor reconhecido, e para isso temos de reconhecer a diferença entre um e outro. Tem de ter instrumentos que valorizem os melhores. Uma das maneiras é a remuneração, sim. É preciso que todos ganhem muito bem, e todos trabalhem bem. Os que não trabalham bem não têm de ser contratados. Têm de perder o emprego, ser substituídos. Entre os que trabalham bem, a gente tem de dar reconhecimento. Pode ser medalha, prêmio, salário. Não sou contra, só não gosto é da mediocracia. Estamos temendo a meritocracia, e estamos caindo em uma mediocracia. Quando a gente não reconhece os melhores, a gente reconhece os medíocres.

ZH — Não ficou marcado ao cobrar mais dinheiro para a educação e sugerir protestos contra o próprio governo como uma marcha de estudantes e um apitaço na Esplanada?

Cristovam Buarque — Claro. Começou logo no início, quando disse no Jornal Nacional que o Brasil não precisava do programa Fome Zero, bastava aumentar o valor do Bolsa-Escola e o número de beneficiados. O Lula não gostava do Bolsa-Escola. Quando levei essa ideia para ele em 1990, foi recusada porque o PT dizia que era uma medida compensatória e tinha era de criar emprego e dar bons salários. Nunca perceberam que não tem como ter emprego e salário sem educação. Sem educação, o trabalhador vai receber bolsa. Depois, porque o Fernando Henrique pegou (o programa), aí o Lula ficou com raiva.

ZH — A despeito de todos os problemas, o senhor ainda acredita que o Brasil pode virar um país de elite na educação?

Cristovam Buarque — Se começar esse trabalho que eu defendo através do processo de federalização e construindo a escola ideal como se deseja, em 20, 30 anos, o Brasil estaria entre os primeiros países. Se continuar como está, mesmo melhorando, a gente fica para trás porque os outros países estão melhorando mais do que nós. Turquia, Colômbia, Peru, Chile estão melhorando mais do que nós. Nós estamos ficando para trás.

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