Neste momento delicado de retorno às aulas, a Tribuna Regional entrevistou a psicóloga Rita Gertener no intuito de esclarecer sobre o impacto do isolamento social, decorrente da pandemia, na infância.
Assim como os adultos, as crianças tiveram que se adaptar a um novo mundo após o isolamento social, imposto pela pandemia. De repente, surgiu uma nova rotina para os pequenos, alguns, inclusive, tendo que lidar com o luto pela perda de familiares.
A nova rotina pode gerar diversas consequências psicológicas nas crianças, afinal, se as mudanças provocadas pela Covid-19 impactaram na saúde mental dos adultos, o que faz pensar que seria diferente, ou menos danoso, com elas?
Na realidade da pandemia, potenciais eventos estressantes para as crianças podem ocorrer durante a interação familiar, por conta do isolamento social. Falta de rotina, falta de convivência e interação com outras crianças, pouco ou nenhum espaço para brincar… Ouvir notícias constantes sobre a gravidade doença, sobre as vítimas fatais, e, muitas vezes, perda de entes queridos em decorrência do COVID. Estas são apenas algumas das situações que as crianças passaram a enfrentar desde o início de 2020. Isso tudo em uma família considerada sem nenhum agravante social. Mas, há aquelas que vivem em lares que não se configuram como o local mais seguro. Nestes locais, o aumento de tempo de permanência em casa, aliado ao estresse parental por conta das novas demandas após pandemia, podem desencadear tensões, conflitos e situações de violência.
É comum ouvir relatos de pais e familiares a respeito da mudança no comportamento das crianças. Aumento de peso, comportamento mais introspectivo, são alguns sinais que evidenciam que algo não vai bem. Diante da nova realidade e pensando em levar informação aos leitores sobre o assunto, a psicóloga Rita Gertner, que atua no atendimento de famílias, jovens, adolescentes e crianças, falou à Tribuna sobre algumas preocupações trazidas pelos leitores. Confira:
AUMENTO DA PROCURA
Por conta da pandemia, segundo Dra. Rita, aumentou o número de pessoas procurando auxílio psicológico. Em seu consultório, Gertner percebeu o crescimento da demanda em 30%. Ela relata que, independente das condições financeiras, as famílias sofreram muito com a nova realidade. Pais que muitas vezes nem tomavam conhecimento da rotina dos filhos, devido aos afazeres diários, agora se veem na necessidade de administrar inclusive o estudo dos pequenos. A falta de paciência e de conhecimento para auxiliar nas tarefas escolares aumenta a insegurança dos alunos e evidencia a falha no sistema de ensino.
A FALTA DA ESCOLA
Para muitas crianças, a escola é uma importante rede de apoio. Com a pandemia, no entanto, elas se viram afastadas desse local de ensino, socialização e, muitas vezes, símbolo de afeto e cuidado, não podendo mais ter contato direto com professores e colegas. Alguns tiveram a possibilidade de continuar o ano letivo por meio de plataformas virtuais, outros tiveram que interromper totalmente as aulas. Todas essas experiências exigem da criança uma adaptação e compreensão da mudança da rotina.
A escola é o segundo microssistema importante para o desenvolvimento e aprendizagem. Levando em consideração a importância do ambiente escolar, é de se esperar que mudanças no funcionamento dessa estrutura possam gerar estresse e ansiedade.
AS CRIANÇAS
Para Rita, as crianças abaixo dos dez anos de idade são as que mais sofrem com a nova rotina da pandemia, independente de estudar em escola particular ou pública. As novas modalidades de ensino aplicadas pelas escolas passam para a criança a responsabilidade de se auto-gerir, ou seja, de cumprir com suas tarefas da escola em frente ao computador ou celular, mesmo que sem auxílio de um adulto.
A comum falta de tempo e paciência dos pais e responsáveis agrava a ansiedade infantil, visto que a criança não encontra o apoio necessário no seio da sua família.
Para a psicóloga, o equilíbrio é a chave para tudo. É preciso se adaptar e estabelecer um processo de reorganização das tarefas diárias. Os pais devem incluir um tempo para os filhos, especialmente dedicado aos estudos. É preciso, segundo Dra. Rita, antes de mais nada, olhar com mais atenção para a criança, estar presente, saber que ela é o centro de tudo. É para ela que os pais devem voltar o olhar, com amor e cuidado.
OS PROFESSORES
Para a Psicóloga, os professores receberam, por conseguinte, uma carga imensa de trabalho, pois devem injetar conhecimento sem estar na presença do seu aluno.
Para muitos dos docentes a carga de trabalho dobrou e até triplicou, visto que os contatos com os alunos não se dão apenas no horário escolar. Ferramentas de comunicação como whattsapp e redes sociais estão ativamente sendo usados, a qualquer hora do dia.
Criatividade e dedicação extras são necessárias para os docentes do momento. Paciência também.
A PANDEMIA
Uma das maiores causas de depressão é a culpa velada que os adultos incutem na consciência das crianças. Ao não filtrar suas conversas, muitas vezes os pais deixam passar informações que não são adequadas à maturidade de seus filhos. Um exemplo é a crença de que as crianças não devem sair para não se contaminar, pois, assintomáticas em sua maioria, acabariam transmitindo a doença para seus pais e avós. Ao comentar tais notícias em família é importante esclarecer as coisas conforme a maturidade da criança.
Deixá-la pensar que é vetor de contaminação aumenta sua carga emocional, gera ansiedade, depressão e afins. Com isso surgem os distúrbios alimentares e de comportamento.
Ou seja, é necessário cuidado ao realizar comentários em frente aos pequenos. É preciso, também, dosar o que estão assistindo nas telas.
De outro lado, tentar manter um pouco da normalidade da vida, da infância, sempre tomando os cuidados básicos exigidos pela pandemia. Não deixar de fazer uma caminhada com o filho, por exemplo. Procurar fazer atividades ao ar livre. Procurar, dentro do possível, manter o contato com parentes e amiguinhos. Afinal, se os adultos estão saindo às ruas, a eventos, socializando, mesmo com a prevenção necessária, o que impede de manter certa normalidade para as crianças?
EDUCAÇÃO
Todos sentem dificuldade ao se adaptar para esta nova realidade. As mudanças e a incerteza do cenário atual complicam a adaptação. O mais importante é não deixar “a peteca cair” e entender que a presença dos pais no processo educacional tornou-se fundamental. Mesmo sem conhecimento ou preparo os pais devem manter a calma para conseguir dar conta do recado. Mais do que nunca a importância da família unida, com o foco principal na criança, se mostra essencial.
MINI ADULTOS
As crianças estão sendo tratadas pelos pais como adultos de tamanho pequeno. Os pais “modernos”, muitas vezes, não fazem distinção entre ser pai ou ser amigo. Mas, os pequenos precisam de limites definidos. O discernimento é necessário, tanto ao apresentar fatos para os filhos, como também na divisão das novas responsabilidades em família. É importante saber os limites e lembrar que os pais têm, sim, responsabilidade nesta questão.
EQUILÍBRIO
Para Rita Gertner o equilíbrio é a maior arma em momentos de crise. Aceitar a realidade e buscar organizar a vida segundo as necessidades é muito importante. Com calma é possível destinar algum tempo de qualidade para supervisionar as crianças, sem comprometer seus afazeres domésticos ou tempo de lazer. Os pais devem ser muito maduros para lidar com esta situação e também devem estar abertos a dar suporte aos filhos, visto que educação sempre foi uma prerrogativa doméstica. Ensinar é a responsabilidade dos professores. É importante os pais estarem cientes de seus deveres.
PRECISA DE ATENDIMENTO?
Várias crianças precisam de acompanhamento psicológico neste momento. Muitos pais, no entanto, por desconhecimento, acabam não procurando ajuda. Então, se você, pai, mãe, ou responsável, observar qualquer comportamento diferente na criança, não deixe de buscar auxílio. Caso não seja possível, financeiramente, levar a um consultório particular, você pode procurar a Secretaria Municipal de Saúde e se informar como está sendo o atendimento via SUS na Lapa.
Mas, o mais importante de tudo: não deixe de olhar para o seu filho, com amor e cuidado. Ofereça atenção e tempo de qualidade a ele. E, se perceber ser necessário auxílio profissional, não deixe de oferecer à criança. Todos estão passando por situação adversa. Só que, para os pequenos, o impacto é muito maior e pode ser bastante desastroso a longo prazo.