Lapa: Uma história bem contada

O professor Helmo Henrique foi o entrevistado na Prosa na Tribuna desta quarta-feira. O papo teve como tema a história da Lapa e trouxe muitas curiosidades e fatos importantes.

O texto abaixo é um compilado de toda a entrevista com o professor Helmo Henrique, docente de História, formado na Uniandrade, já trabalhando em sala de aula há seis anos, hoje professor titular na Escola Nossa Senhora do Desterro, no São Bento.

Detalhes. São eles que influenciam no contexto geral de qualquer situação. No caso da história da Lapa não é diferente. Como história não é uma matéria simplesmente linear, os detalhes e circunstâncias que aconteceram a grande distância da cidade da Lapa, tiveram importância crucial para sua fundação, desenvolvimento, história e consolidação como município com valor histórico para o Brasil.

Tudo começa com o início do trabalho dos Bandeirantes, em Minas Gerais e São Paulo e o consequente descobrimento de ouro nas Minas Gerais. Com estes fatos iniciou-se a nossa história, pois este ouro descoberto lá em Minas fomentou o comércio de animais como gado e mulas, tradicionalmente criados nos pampas do Rio Grande do Sul. Para suprir a necessidade cada vez maior de carne, couro e demais produtos vindos do sul, os tropeiros utilizavam o caminho de Viamão, que parte da cidade de Viamão (RS) chegando até Sorocaba (SP), quase na divisa com Minas Gerais. Como parte da estruturação do caminho, foram criadas diversas ‘pousadas’, ou vilas em pontos específicos, para suprir as necessidades dos viajantes a caminho de São Paulo. Assim nasce a Freguesia de Santo Antônio da Lapa, posteriormente Vila Nova do Príncipe e depois município de Lapa.

Após a consolidação como município, diversos eventos nacionais merecem ser citados, como a vinda da família real ao Brasil, em 1808, a independência do Brasil em 1822 e, posteriormente, a libertação dos escravos que levou ao golpe militar da Proclamação da República em 1889. O Imperador Dom Pedro II, durante sua regência, foi um dos maiores incentivadores do progresso do país. São dele muitas ideias e obras que construíram o Brasil como conhecemos hoje. Um exemplo bem próximo a nós é a inovadora rede ferroviária vinda de Paranaguá para Curitiba, através de pontes de ferro na serra do mar. Outros feitos nacionais são originários das ideias de Dom Pedro II, como a transposição do Rio São Francisco. Por falta de tecnologia na época, o plano ficou só no papel e foi consolidado nos últimos anos.

O golpe militar que levou à proclamação da República trouxe grande instabilidade política ao Brasil. Diversas forças discordantes do modo como foi feita a transição, que através de uma rede de intrigas e mentiras, forçou Dom Pedro II e sua família a serem expulsos do país, sem nada mais que as próprias roupas e acessórios pessoais. Este golpe tomou corpo depois da assinatura da Lei Áurea, pela Princesa Izabel, no ano de 1888. Barões e Coronéis de terras não concordaram com a decisão e partiram para a trama que acabou tirando a monarquia do poder.

Como tudo que vem goela abaixo não agrada, esta proclamação da república gerou insatisfação em muitos estados e, especificamente, no Rio Grande do Sul, um senador fomentou a criação de uma força local, visando depor o ‘presidente do estado’ Júlio de Castilhos. A ideia deu certo ao se colocar Gumercindo Saraiva como líder do movimento. Este ganhou corpo e teve sucesso no sul do país. Ao ver a facilidade com que conquistavam territórios, estes guerreiros resolveram ir ao Rio de Janeiro, para depor o presidente Marechal Floriano Peixoto. Os guerreiros ganharam o apelido de Maragatos, por suas vestes simples e pobres, termo este que vem da região da Maragateria na Espanha, de onde muitos eram oriundos. Gostaram do apelido e o levavam com eles na luta Brasil acima.  

Onde a Lapa entra nesta história? Em dado momento Floriano enviou tropas ao sul para segurar a revolta e o comandante, ao ver o grande número de combatentes inimigos já na Região de São Bento do Sul (SC), simplesmente retirou suas tropas e, ao informar o presidente Floriano de sua retirada, foi destituído do comando. Floriano envia o então Coronel Gomes Carneiro com tropas, para cumprir com o objetivo não cumprido pelo antecessor. As estimativas são de que Carneiro tenha trazido consigo aproximadamente 900 homens, mas os números são incertos. O pior desta decisão foi que Floriano mandou dividir esta força entre três locais, sendo Paranaguá uma fortificação, Tijucas a segunda e a Lapa como terceira base para impedir o avanço das tropas federalistas.

Esta divisão de tropas, ao final do conflito, se mostrou totalmente errônea para as forças federais, pois Paranaguá foi derrotado e rendeu-se logo no início do embate com as forças da marinha, enquanto Tijucas também ergueu bandeira branca e entregou a cidade. Mas antes mesmo destas rendições, Carneiro usa a Lapa como base e vai à frente de batalha, lutando na região de Rio Negro por algumas semanas. Quando os maragatos se mostram mais fortes na luta, Carneiro retorna à Lapa e aí inicia-se o período dos 26 dias do episódio conhecido como Cerco da Lapa.

O heroísmo e dedicação à luta em nome do Governo Federal foram criações do século seguinte, pois, segundo historiadores, a deserção era comum entre as tropas de Carneiro, além do descontentamento por grande parte da população que foi obrigada a ficar e defender sua cidade de um ataque dos sulistas. Quem não podia fugir da Lapa, ou por falta de recursos, ou por querer defender seu patrimônio, estava totalmente descontente com a ‘guerra’. Relatos históricos contam da grande quantidade de pessoas que se fingiam de doentes para serem isentados de lutar, o que era punido pelo então Coronel Carneiro. Finalizado o conflito, as tropas de Federalistas sobem para São Paulo e são detidas no caminho.

“Resistência a todo transe” e outras frases heroicas de Carneiro foram somente cunhadas anos após o conflito, através do trabalho de grandes historiadores que viram no conflito uma possibilidade de criar ‘heróis para a república’. Como a República ainda engatinhava, muitos dos nomes de nossos heróis nacionais foram criações de governo, com o objetivo de mostrar a superioridade deste sistema de governo em detrimento da monarquia anterior. Com Carneiro também foi assim.

Não reduzimos aqui o esforço hercúleo dos combatentes, frente à invasão dos sulistas, mas a realidade é bem menos fantasiosa que a história contada. Somente lá pelos anos 1920, depois de muita insistência dos historiadores, a batalha da Lapa ganhou o nome de Cerco da Lapa, e, finalmente, Carneiro teve sua estátua plantada no meio da praça que leva também seu nome, antes Praça das Laranjeiras. O episódio começou a tomar importância através do trabalho de David Carneiro, que conseguiu, além de incluir o Cerco da Lapa como episódio de bravura, transformar os seus lutadores em heróis, através de sua busca incessante por documentos e depoimentos de pessoas que participaram do embate. Para consolidar o episódio, no seu cinquentenário foi inaugurado o Pantheon dos Heroes, local para onde foram transladados os restos mortais de diversos ‘heróis’ do Cerco. A partir daí a Lapa passou a respirar e valorizar a história como um importante episódio nacional.

O grande trabalho dos historiadores do início do século passado culminou no tombamento do centro histórico da Lapa, nos idos dos anos 90, por ação do prefeito Sérgio Leoni, que tornou toda a área central da cidade como Patrimônio Histórico. Este feito foi muito criticado na época, pelo custo aos cofres municipais e também pela forma como foi implementado, mas passados mais 30 anos, hoje podemos afirmar que foi uma decisão surpreendentemente à frente de seu tempo. Se não houvesse a reforma do casario, hoje teríamos um centro histórico tombado, mas ‘caindo aos pedaços’, como é visto em inúmeras cidades históricas país afora.

A história da Lapa é muito rica e não é possível resumi-la num texto somente. Este apanhado de fatos foi discutido em apenas uma hora e meia no espaço Prosa na Tribuna e serve como um pequeno resumo para o entendimento de como chegamos aqui. O Professor Helmo Henrique esclareceu inúmeros pontos pouco conhecidos pelos lapeanos e trouxe uma nova visão ao episódio que marca a nossa história, o Cerco da Lapa.

Agradecemos ao docente pela disposição e, de antemão, nos desculpamos se alguma incorreção ocorrer neste texto, afinal, é muita história para contar.

O jornalista Aramis Gorniski da Tribuna Regional e o professor Helmo Henrique
Planta da cidade da Lapa, durante o memorável Cerco de 26 dias em 1894.
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