Coluna Ambientação – Energia nuclear

Como a energia armazenada dentro de átomos pode mudar o panorama mundial

O ano é 1986, antiga União Soviética. O reator número 4 da Estação Nuclear da cidade de Chernobyl explodiu durante testes de segurança. O calor e pressão foram tamanhos que deslocou uma tampa de mil toneladas e derreteu boa parte do prédio, fundindo material radioativo a tudo à sua volta, lançando uma nuvem radioativa sobre o país. Em meio à disputa tecnológica e armamentista com seu maior rival, os Estados Unidos, a URSS não fez uma declaração pública de imediato do que veio a ser o maior desastre nuclear não armado da humanidade.

Ainda não se sabe o número exato de mortos pela calamidade russa russo. Alvo de controvérsias, as estimativas partem de dezenas até centenas de miliares de pessoas. Como a radiação se mantém por longos períodos na matéria, seus efeitos no corpo humano podem levar anos, ou décadas, dependendo da dose. Cálculos apontam que a cidade não poderá ser habitada durante 24 mil anos, tempo necessário para a meia-vida da radiação que existe lá acabar.

Apesar de não ter relação direta com geração de energia, o Brasil também figura como um dos países que sofreram grande impacto radioativo. O nosso caso envolve o elemento Césio-137 apenas um ano após Chernobyl. Recicladores invadiram uma clínica médica fechada, desmontaram uma máquina de raio-X e a desmontaram para extrair metais. Os catadores Roberto Santos e Wagner Mota Pereira apresentaram sintomas de contaminação radioativa no mesmo dia, mas não associaram seu estado de saúde à maquina. Venderam as peças alguns dias depois a Devair Alves, que desmontou o equipamento e encontrou um pó que brilhava no escuro. Impressionado com o efeito que o material emitia, levou-o para casa. O agente responsável pela emissão desse brilho azul intenso era o Césio-137, metal extremamente radioativo.

Assim como o caso de Chernobyl, ainda não se têm um número exato de mortes ligadas ao caso brasileiro. A primeira vítima foi uma criança de 6 anos, Leide de Neves Ferreira e se tornou o símbolo do desastre.

O lixo radioativo

Esses casos nos mostram que a radioatividade é algo complexo de se lidar e algumas problemáticas estão envolvidas em sua utilização, como o descarte apropriado do lixo radioativo. Mesmo assim, alguns projetos estão em andamento para melhorar a gestão desses materiais. A Finlândia está construindo uma tumba, escavada em rocha sólida e que promete durar, ao menos, 100 mil anos. Com a ascensão de projetos semelhantes, que garantam a segurança dos depósitos nucleares, mesmo com desastres naturais, ampliam a possiblidade de utilização dessa maneira de gerar energia.

Atualmente, a geração de energia elétrica se concentra em hidrelétricas, queima de combustíveis fósseis e carvão. Todas essas práticas têm problemáticas, como a emissão desenfreada de carbono na atmosfera ao se tratar da queima e a alteração do fluxo das águas e modificação extensiva de biomas no caso de hidrelétricas.

As usinas nucleares são consideradas limpas porque não emitem gases e conseguem suprir a atual demanda global crescente. Em comparação, 10 gramas de urânio geram a mesma quantidade de energia que 700 quilos de petróleo ou 1200 quilos de carvão. Em resumo, uma usina de energia nuclear fissa átomos de urânio, ou seja, divide-os. Quando isso acontece, o urânio libera nêutrons que aquecem a água à sua volta gerando vapor que movimenta as turbinas e gera energia elétrica convertendo a energia mecânica do movimento das turbinas.

Talvez a energia nuclear não se mostre a resolução de longo prazo, mas atualmente a comunidade científica é unânime em afirmar seus benefícios em relação às hidrelétricas ou a queima de combustíveis. Outras fontes de energia estão disponíveis, mas a humanidade ainda não aprimorou a tecnologia o suficiente, como no caso da captação da energia solar. Segundo a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cada metro quadrado da Terra recebe 1400 watts, o equivalente a 14 lâmpadas. Esse número lança luz sobre nossa tecnologia e o longo percurso que ainda deve ser percorrido para que possamos utilizar recursos energéticos não impactantes aos biomas.

(Foto: Reprodução/Ipp.ac.cn)

Conhecido como “sol chinês”, equipamento consegue permanecer em milhões de graus Celsius durante fusão nuclear

Operando em 120 milhões de graus operando por 18 minutos, o reator nuclear EAST (Tokamak Experimental Supercondutor Avançado) estabeleceu um novo recorde mundial. A ideia central do projeto é substituir as atuais tecnologias geradoras de energia; baseadas em carvão e queima de combustíveis fósseis. Baseado no funcionamento do Sol, o equipamento agita os átomos de dois gases de hidrogênio, deutério e trítio, criando um estado da matéria chamada de plasma a elevada temperatura e assim estimulando a fusão nuclear como acontece no coração das estrelas. Esse plasma é conduzido por imãs, direcionando-o à fusão, além de preservar a estrutura da máquina.

O núcleo do Sol tem cerca de 15 milhões de graus Celsius. A título de comparação, o EAST consegue atingir oito vezes essa temperatura. Para isso, por meio de uma corrente elétrica de aproximadamente 1 mega ampère, algo como 20 mil vezes a potência de uma bateria de carro. Todo esse esforço acarreta baixas emissões de carbono e poucos resíduos nucleares. Em contraste com a atual fissão nuclear utilizada em usinas nucleares, o processo do EAST não viabiliza material para construção de armas nucleares e não corre o risco de explosões.

Tecnologia não tão nova assim

A palavra Tokamak deriva de uma expressão russa (тороидальная камерас магнитными катушками). Essa frase resume a ideia central da máquina: câmara à vácuo que utiliza combustível nuclear. Os primeiros projetos datam da década de 1950, concebidos pelos físicos Igor Tamm e Andrei Sakharov, que foram fortemente influenciados por Oleg Aleksandrovich Lavrent’ev (físico soviético). Foi na terra da vodka que o primeiro equipamento operou ainda nos anos 1950.

 

Tecnologia não tão distante

No Brasil, existem três equipamentos Tokamak, distribuídos entre três universidades: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande (UFRG) e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Atualmente, esses equipamentos não estão gerando energia para alimentação das redes elétricas, mas sim utilizados para estudos do plasma.

Corrida armamentista

Atualmente, os países estão desenvolvendo suas próprias tecnologias para obtenção de energia cada vez mais limpa. Nesse processo, o maior projeto de fusão nuclear, denominado ITER, está sendo construído na França por um consórcio internacional reunindo União Europeia, Estados Unidos, Índia, Japão, Coréia do Sul, Rússia e China. O objetivo é a transferência de tecnologia com a qual cada país será capaz de produzir seus próprios projetos.

Atualmente, nenhum Tokamak foi capaz de produzir mais energia do que consome. No entanto, esses equipamentos continuam a serem construídos com o objetivo de estudar como melhorar seu desempenho, além do comportamento dos materiais em altas temperaturas. Essa característica é o tendão de Aquiles dos Tokamak, limitando sua ação até o momento. Apesar disso, a máquina comprovou se possível fundir átomos em uma câmara à vácuo e a China continua a investir, projetando o primeiro uso comercial até 2035.

A atmosfera

Atualmente, não há um consenso sobre a quantidade aceitável de carbono na atmosfera. Mesmo sem os dados exatos, o Acordo de Paris estipulou o limite de 1,5ºC até 2030. Para isso, as maiores potências do mundo precisam diminuir suas emissões para algo em torno de 2,3 toneladas de carbono por habitante ao ano, segundo estudo da Oxfam.

Hoje, cerca de 10% da geração de energia mundial é feita por usinas nucleares. Com a chegada de novas tecnologias atômicas, essa fatia pode aumentar. A Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) aponta que produzir energia em usinas nucleares é a solução do futuro, provendo o planeta com energia elétrica sem as atuais emissões de carbono.

A segurança

De acordo com University College of Cork da Irlanda (UCC), a segurança operacional das usinas nucleares é muito maior do que décadas atrás. Além desse fator, essas usinas têm a capacidade de se adaptar à mudança da demanda rapidamente, diferentemente das atuais usinas hidrelétricas. Assim, as quedas de energia são menos frequentes. No momento, 98 usinas nucleares estão em operação nos Estados Unidos, suprindo 30% de toda a necessidade energética do país. Mesmo com esse número elevado de usinas em operação, não há histórico de acidentes em território norte-americano.

Por: Luiz Gabriel Correia Ely

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