Jesus Cristo disse, sem equivocar e sem enganar: “Porque se perdoardes aos homens as suas faltas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens as suas faltas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas faltas” – Mt 6.14-15.
Este acréscimo de Jesus Cristo ao Pai-Nosso é surpreendente, porém magnífico. E, realmente, pode causar estranheza Ele fazer esse acréscimo justamente a esta petição: “Perdoa-nos as nossas dívidas”, etc., quando, da mesma forma, também, poderia ter feito uma observação semelhante sobre as outras petições súplices, dizendo: o pão nosso de cada dia dá-nos hoje assim como nós o damos aos nossos filhos / às nossas filhas; ou: livra-nos do mal, como nós salvamos e livramos a pessoa próxima. Nada disso. Nenhuma petição apresenta acréscimo senão esta. E até parece que o perdão do pecado é alcançado e merecido por meio do nosso perdão dado e concedido. Onde então ficaria a nossa pregação e doutrina cristológica de que o perdão vem exclusivamente por meio de Cristo e é recebido na fé?
Resposta ao primeiro ponto: ao formular particularmente essa petição desta maneira, vinculando o perdão do pecado ao nosso perdão, quis comprometer às pessoas cristãs a se amarem entre si e orientá-las para que o primeiro e mais importante artigo depois da fé e do perdão recebido fosse: perdoem, igualmente, e sem cessar à pessoa próxima para que, como nós vivemos perante ela na fé, também vivemos perante as semelhantes com amor; que não incomodemos nem ofendamos um ao outro / uma à outra, mas pensemos em perdoar sempre, de coração, como um Cristo para a pessoa próxima, mesmo que tenhamos sido ofendidos/as – o que, afinal de contas, necessariamente acontece muitas vezes nesta vida –, e saibamos que, caso contrário, também a nós não estará perdoado. Pois onde a raiva e o rancor estão no caminho, eles botam a perder toda a oração, de modo a não se poder orar nem desejar nenhumas das petições tampouco. Veja, isto é que se chama de vínculo forte e firme a nos unir de modo a não nos desentendermos, formando, por tudo e por nada, facções, grupos e seitas, se é que pretendemos dirigir-nos a Deus, orar e conseguir algo; antes, é preciso que nos entendamos pelo amor e em tudo, por amor de Cristo e Seu Evangelho, o Espírito, a fé, permaneçamos unidos / unidas. Quando isso ocorre, a pessoa cristã é perfeita, uma vez que crê e ama genuinamente. As outras mazelas que ela apresentar devem ser consumidas na oração, sendo-lhe tudo perdoado e concedido, por graça.
Como, porém, Jesus Cristo, coloca, com estas palavras, o perdão na dependência justamente das nossas obras, ao dizer: se perdoais à pessoa próxima, series perdoados / perdoadas, e vice-versa? Isso, afinal, não é o que se chama de perdão na fé! Resposta: o perdão dos pecados ocorre de duas maneiras: por um lado, por meio do Evangelho e da Palavra de Deus, recebidos interiormente no coração perante Deus por meio da fé; por outro, exteriormente, por meio das obras, a respeito das quais 2 Pe 1.10 diz: “Prezados irmãos / prezadas irmãs, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição”, etc. Aí Ele quer que provemos que temos a fé e o perdão dos pecados, isto é, que demonstremos as obras, para que se reconheça a árvore em seus frutos e se revele que é uma árvore boa e não podre, pois onde houver fé genuína, com certeza, também, seguem boas obras. Dessa forma, a pessoa é reta e justa interior e exteriormente, perante Deus tanto quanto perante as pessoas. Pois esta é a consequência e o fruto com os quais eu certifico a mim e às outras pessoas, publicamente, que creio genuinamente, o que no mais eu não poderia saber nem ver. [Segue]