Desde a época de nossa vida em que passamos a dominar a linguagem, somos ensinados que nossas palavras devem corresponder à verdade. Que significa isso? Que quer dizer: “falar a verdade?” Que exigências isso implica? Quais responsabilidades advêm do falar a verdade?
É evidente que, inicialmente, são o pai e a mãe que procuram estruturar nosso relacionamento com ele/a através do postulado da veracidade. E, em consequência, essa exigência também fica restrita, inicialmente – no sentido que o pai e a mãe lhe atribuem –, e se refere ao limitado círculo familiar. Há que se observar, ainda, que o relacionamento contido nessa exigência não pode ser invertido, simplesmente. A veridicidade da criança para com o pai e a mãe é substancialmente diferente daquela do pai e da mãe para com a criança. Enquanto a vida da criança, não raro, é um livro aberto para com o pai e a mãe e a sua palavra deve revelar tudo que houver de oculto e secreto, não se pode dizer o mesmo, muitas vezes, na inversão do relacionamento, infelizmente. O direito do pai e da mãe em relação à criança é outro, no que diz respeito à veracidade, do que o da criança em relação ao pai e à mãe. Disso já decorre que “falar a verdade” significa algo diferente, dependendo do lugar onde se está. É preciso ponderar as respectivas situações relacionais e contextuais. É preciso perguntar se e de que maneira alguém tem o direito de exigir de outrem que fale a verdade. Tal como a comunicação entre pai e mãe e filhos/as, de acordo com sua natureza, é outra do que entre marido e mulher, entre amigos/as, entre professor/a e aluno/a, entre autoridade e súdito/a, entre amigo/a e inimigo/a, assim também a verdade contida nessas palavras é outra.
A objeção que aqui logo se faz, no sentido de que não devemos a palavra veraz a esse/a ou aquele/a, mas, somente a Deus, é procedente, desde que não se esqueça que Ele não é um princípio universal, mas o Deus vivo, real, verdadeiro que me / nos colocou numa vida dinâmica e nela exige meu / nosso serviço diaconal, em fé e amor. Quem fala em Deus não pode riscar simplesmente o mundo real em que vive e convive. Senão eu não estaria falando do Deus que em e mediante Jesus Cristo entrou neste mundo real, carente de justiça original, em decorrência da queda de Adão e Eva em pecado, sem participação humana, gerado pelo Espírito Santo na virgem Maria, mas dalgum ídolo metafísico. A questão é, precisamente, como eu faço valer, na minha vida concreta, ambígua e plena de contradições, com suas variadas situações, contextos e realidades, o compromisso da verdade que eu tenho com Deus. O dever da veracidade devida a Ele, mediante Jesus Cristo, tem que tomar forma concreta neste mundo, que não é mais o Jardim do Éden. Nossa palavra não deve corresponder à verdade em princípio, mas sim concretamente. Veridicidade que não é concreta não tem caráter de verdade perante Deus, no conjunto da Criação dEle.
Verdadeiramente, a incredulidade e a dúvida em relação à palavra da verdade categórica de Deus são a fonte de todo pecado, quando nos afastamos da palavra dEle. Como o mundo está cheio da horrível audácia e espírito mentiroso do diabo, que inventa um deus novo e nega a palavra do Deus único e verdadeiro e eterno, perdida a fé, segue-se a incredulidade e a idolatria, que transferem, a glória de Deus para as obras, bagatelizando, assim, a verdade. Quando o ser humano, assim como Eva, no contexto do paraíso, é afastado pelo diabo, o pai da mentira, daquilo que Deus havia dito, ai, ai! E, removida a Palavra e a convicção interna segundo ele, logo o ser humano é instigado contra a palavra e a vontade de Deus. Em verdade, desde os primórdios, todas as mentiras e todos os males resultam da incredulidade ou da dúvida em relação a Deus e Sua palavra. E, o instigador mor é Satanás com sua astúcia. Que pode ser pior do que desobedecer a Deus e obedecer a Satanás e seu espírito inimigo de Deus
