Contando histórias

Casa da Lapa, tombada pelo patrimônio histórico, está sendo restaurada por Sérgio Leoni para contar a história dos médicos que viveram ali, além de preservar dados históricos do município.

Se o ditado popular fosse colocado em prática, as paredes de uma casa da Lapa teriam muito a  dizer. A começar pela beleza da pintura que as decora e a terminar pela  história das famílias que viveram na residência. Sem deixar de lado o fato de ter sido ali perto que o general Gomes Carneiro foi baleado durante o Cerco da Lapa, 19 anos antes de as paredes tomarem forma.

A casa foi construída em  1913 e recebeu pinturas decorativas que eram exceção à época – somente famílias abastadas costumavam recorrer a esse tipo de decoração. Era a maneira de ornamentar a casa e deixá-la mais elegante e diferente das outras. Na Lapa, a casa é provavelmente uma das poucas, se não a única com esse tipo de pintura. Em Curitiba, outros imóveis também receberam a  pintura chamada de estêncil: o Paço Municipal, o Castelo do Batel e a Casa Klemtz – sem falar de algumas igrejas. Foi no fim do século 19 e início do 20 que a pintura decorativa chegou ao Brasil.

Mas a casa está sendo reformada não somente por seu valor histórico e artístico. Além desses detalhes importantes, há o fato de terem vivido ali quatro médicos. Por causa disso, os vidros e janelas tiveram pouco sossego durante a madrugada. “Como o meu quarto ficava voltado para a rua, de madrugada sempre tinha um que batia na janela e pedia ajuda”, conta Sérgio Leoni, filho do médico Aluysio Passos Leoni, que foi proprietário da residência. A Lapa, no início do século 20, não tinha pronto-atendimento  24 horas, por isso os moradores recorriam ao médico em sua própria residência quando havia alguém enfermo. Não importava a hora. Um dos cômodos da casa, por muitos anos, foi o consultório particular dos médicos Eduardo Santos Lima, Aluysio Passos Leoni, Luiz Corrêa de Lacerda e Pedro Passos Leoni. Cada um em um período de tempo. A maca ginecológica antiga, usada por eles, está até hoje na casa e fará parte de um museu da medicina que Sérgio Leoni pretende montar no local, contando a história dos médicos que trabalharam e viveram ali.

Eduardo foi o médico responsável pela construção da casa – no jardim há uma camélia do mesmo período e uma jabuticabeira que foi plantada um ano depois, em 1914.

Ele começou a clinicar na Lapa em 1906 e teve de enfrentar o problema da falta de tecnologia e medicamentos para doenças como a febre tifoide, a pneumonia, a tuberculose e as afecções renais.

Já Aluysio, que comprou a  casa de Eduardo depois que ele foi morar em Curitiba, teve de cumprir sua função de médico mesmo estando acamado. Relatos de David Carneiro mostram que Aluysio foi atender uma paciente, que fazia questão de vê-lo, para saber o que ele poderia fazer por ela. Tinham-lhe dado o diagnóstico errado e dito que ela deveria passar por uma cirurgia. O médico se levantou da cama e foi vê-la: precisou apenas colocar o maxilar da doente no lugar.

Local de arquivo

Segundo o atual proprietário da casa, Sérgio Leoni, o intuito da reforma também é o de tornar o local um arquivo para os seus documentos históricos sobre a cidade da Lapa. Estando em um local adequado, os interessados poderão consultar os arquivos, sem riscos de que desapareçam. Assim, a história ficará preservada e servirá cada vez mais como auxílio aos estudantes, pesquisadores e cidadãos interessados pela história da Lapa.

Pintura padrão

A pintura estêncil costuma manter alguns padrões. A parte inferior da parede é pintada com retângulos que são uma alusão aos antigos lambris – eram pedaços de madeira recortados e afixados na parte inferior da parede. Estes quadrados pintados ora imitam esta madeira (que normalmente era nobre), ora parecem almofadas ou mármores italianos. Logo acima deles estão os murais cheios de detalhes feitos normalmente em moldura. Para finalizar,  cada painel recebe como acabamento uma faixa separada. “Como o pé direito destas construções era alto, essa faixa ajuda a diminuir a sensação de altura”, explica Nanci. Se a parede fazia parte de uma sala de jantar, por exemplo, a faixa poderia ser ornamentada com desenhos de frutas e aves, que faziam referência à refeição. No quarto das mulheres,  poderiam aparecer desenhos de laços cor-de-rosa, por exemplo. “Os motivos vão se alternando para fazer analogia às pessoas que habitam o espaço”, conta Nanci.

Na casa da Lapa, a suíte  e os quartos dos três rapazes foram decorados com motivos pintados em azul. O corredor tem desenhos vermelho terra e o quarto da única filha do casal que construiu a casa é cor-de-rosa. A sala de jantar recebeu um  tom esverdeado para os desenhos emoldurados. Trata-se de uma casa eclética que mudou os padrões construtivos da Lapa na época, pois a cidade tinha apenas residências em estilo colonial português. “O tombamento da casa levou em consideração o fato de as pessoas que moraram ali terem cuidado do imóvel, por isso o grau de proteção é o número um, extremamente rigoroso”, explica Rosina Parchen, chefe da coordenação do patrimônio cultural da Secretaria de Estado da Cultura. Assim como o seu entorno, a casa é tombada pelo patrimônio histórico estadual.

A pintura decorativa deixou de ser usada principalmente depois da Revolução Industrial: o pré-fabricado e as edificações construídas rapidamente são reflexos do período. A pintura estêncil perdeu o pouco espaço que tinha e, hoje, são  poucos os locais que conseguiram preservar a pintura na sua originalidade.

Serviço:

A residência fica no centro histórico da Lapa, na Rua Barão do Rio Branco, 1.614. Em breve a casa estará aberta ao público, para que as pessoas conheçam a história da casa, dos médicos que ali viveram e também possam consultar dos dados  referentes ao município.

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