A importância da leitura

Vivemos em uma era de especialização, em virtude do extraordinário desenvolvimento da ciência e da tecnologia, e da conseqüente fragmentação do conhecimento em incontáveis avenidas e compartimentos.

A especialização traz benefícios. Possibilita pesquisas e experimentos, e é a força motriz do progresso. Mas deve-se levar em conta que é na literatura que há um denominador comum da experiência humana. Aqueles de nós que leram Cervantes, Shakespeare, Dante ou Tolstoi entendem uns aos outros e se sentem indivíduos da mesma espécie porque, nas obras desses escritores, aprenderam o que partilhamos como seres humanos, independentemente de posição social, geografia, situação financeira e período histórico.

Nada nos protege melhor da estupidez do preconceito, do racismo, da xenofobia, do sectarismo religioso ou político e do nacionalismo excludente do que esta verdade que sempre surge na grande literatura: todos são essencialmente iguais. Nada nos ensina melhor do que os bons romances a ver nas diferenças étnicas e culturais a riqueza do legado humano e a estimá-las como manifestação da multifacetada criatividade humana.

Ler boa literatura é ainda aprender o que e como somos – em toda a nossa humanidade, com nossas ações, nossos sonhos e nossos fantasmas -, tanto no espaço público como na privacidade de nossa consciência. Esse conhecimento se encontra apenas na literatura. Nem mesmo os outros ramos das ciências humanas – a filosofia, a história ou as artes – conseguiram preservar essa visão integradora e um discurso acessível ao leigo.

O elo fraternal que a literatura estabelece entre os seres humanos transcende todas as barreiras temporais. A sensação de ser parte da experiência coletiva através do tempo e do espaço é a maior conquista da cultura, e nada contribui mais para renová-la a cada geração do que a literatura.

Uma sociedade sem literatura escrita se exprime com menos precisão, riqueza de nuances, clareza, correção e profundidade do que a que cultivou os textos literários.

Sem a literatura, a mente crítica – verdadeiro motor das mudanças históricas e melhor escudo da liberdade – sofreria uma perda irreparável. Porque toda boa literatura é um questionamento radical do mundo em que vivemos.

A literatura nos permite viver num mundo onde as regras inflexíveis da vida real podem ser quebradas, onde nos libertamos do cárcere do tempo e do espaço, onde podemos cometer excessos sem castigo e desfrutar de uma soberania sem limites. Como não nos sentirmos “enganados” depois de ler Guerra e paz ou Em busca do tempo perdido e voltar a esse mundo de detalhes insignificantes, obstáculos, limitações, barreiras e proibições que nos espreitam de todo canto e em cada esquina corrompem nossas ilusões?

Se queremos evitar o desaparecimento dos romances – ou sua restrição ao sótão dos objetos inúteis – e com isso o desaparecimento da própria fonte que estimula a imaginação e a insatisfação, que refina nossa sensibilidade e nos ensina a falar com eloqüência e precisão, que nos torna livres e nos garante uma vida mais rica e intensa, então devemos agir. Precisamos ler bons livros e incitar à leitura os que vêm depois de nós.

Valéria Borges da Silveira é Secretária Municipal de Cultura e Turismo da Lapa.

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