Neste Bate Papo Informal eu peço licença aos leitores. Licença, pois neste momento em que escrevo esta coluna, estamos a poucos dias do dia 30 de outubro. A poucos dias também do dia de finados.
Trinta de outubro de 1946 – nascia Aramis Gorniski, em Rio Negro (PR). E 2 de novembro – Dia de finados, dia de celebração da vida eterna das pessoas queridas que já faleceram.
Finados é o dia do amor, porque amar é sentir que o outro não morrerá nunca.
Finados nos desperta a consciência para a realidade da morte, redescobre nossa identidade e nos abre para o mistério da existência humana.
E como isso é difícil, não?
É próprio da fé cristã, já em suas raízes bíblicas, olhar a morte com realismo, sem acalentar no homem sonhos ilusórios ou disfarçar de modo alienante um fato do qual ninguém pode fugir.
O homem “verá a morte” (Salmo 39,49; Lucas 2,26; João 8,51), “provará a morte” (Mateus 16,28; Hebreus 2,9). Para quem quer somente desfrutar os bens da vida terrena, o pensamento da morte será certamente amargo, mas poderá ser, na ótica do realismo bíblico, uma perspectiva atraente para quem vive no desespero. O Rei Ezequias chorava vendo a morte se avizinhar (2 Reis 20,2.); o livro de Jó registra o grito do grande sofredor na esperança de morrer logo e assim se libertar de sua dor (Jó, 7,15).
O Padre Antônio Vieira, no final do seu célebre Sermão da Quarta-Feira de Cinzas pregado em Roma, na Igreja de Santo Antônio dos Portugueses, mostra que a morte tem duas portas: por uma se sai da vida; por outra se entra na eternidade.
A primeira é importante porque no seu umbral está registrado o que fomos na vida pelo uso de nossa liberdade. Algo que só depende de cada um. A segunda porta será consequência inevitável e irrecorrível da primeira. Por isso, o pensamento da morte tem o dom de nos desvendar a verdade sobre nós mesmos. Ela nos mostra o sentido e o valor da vida, como um momento único e intransferível para o homem se realizar e cumprir sua missão.
Durante o tempo, o antes e o depois nos possibilitam a mudança, o poder fazer ou corrigir o que se fez, a construção da própria personalidade pelos atos externos e as posturas interiores. Com a morte surge uma nova situação, que não tem mais o antes e o depois, que se toma um agora imutável.
Por essas e outras é que é tão difícil encarar a morte com realismo. Seremos dignos de passarmos para a porta que leva à eternidade. Como será a nossa saída da vida? O que temos, o que conquistamos de bens em vida nos ajudarão de que forma nisso tudo?
Mas a parte mais difícil talvez não seja abandonar os bens materiais. Talvez seja abandonar os nossos defeitos. O nosso orgulho, nossa ignorância, nossa fraqueza, nosso preconceito.
Façamos o dia de finados, a forma como o encaramos, não com tristeza. Com alegria das recordações do que vivenciamos com as pessoas que amamos e que já partiram.
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“Há quem morra todos os dias.
Morre no orgulho, na ignorância, na fraqueza.
Morre um dia, mas nasce outro.
Morre a semente, mas nasce a flor.
Morre o homem para o mundo, mas nasce para Deus.
Assim, em toda morte, deve haver uma nova vida.
Esta é a esperança do ser humano que crê em Deus.
Triste é ver gente morrendo por antecipação…
De desgosto, de tristeza, de solidão.
Pessoas fumando, bebendo, acabando com a vida.
Essa gente empurrando a vida.
Gritando, perdendo-se.
Gente que vai morrendo um pouco, a cada dia que passa.”
(Padre Juca)