A conduta moral, ética e humanitária da vereança lapeana

As notícias da Lapa demoram a chegar até aqui. Recebo este pequeno grande cerca de duas a três semanas após sua publicação. Mesmo assim, quando vejo aquele tablóide passando por debaixo da minha porta, não consigo fugir da necessidade de lê-lo, da primeira a última página – acompanhado de um bom chimarrão com erva Legendária, é claro.

Isso não só porque trata-se do jornal fundado pelo meu pai e mantido pelos meus irmãos e minha mãe, mas sim porque é uma das coisas que me reaviva grandes memórias da infância. Onde quer que eu vá, sempre dou um jeito de receber o que creio seja hoje dois dos ícones da cidade lapeana: o Jornal A Tribuna Regional e a Erva Mate Legendária (mas da erva deixo para falar em outra oportunidade).

Para os que não sabem, estou hoje em Teresina, no estado do Piauí. Como sou Engenheiro Florestal, especialista em Silvicultura e Fomento Florestal, vim para cá para coordenar o programa estadual de desenvolvimento florestal. Hoje mudei um pouco de área. Estou gerenciando a implantação de um projeto de produção de óleo vegetal a partir de pinhão manso, e apesar de o projeto estar numa cidadezinha a cerca de 200 km da capital, tenho que me manter na grande Teresina para conseguirmos todas as licenças ambientais necessárias.

Mas estou divagando um pouco. Acabei de receber a edição 1646, de 16 a 22 de maio do jornal A Tribuna Regional, e resolvi escrever para parabenizar o Vereador Acir, o Vereador Purga, a Vereadora Casturina, o Vereador Lilo, o Vereador Carlinhos e o Vereador Renato Afonso (agora sim, todos com “V” maiúsculo), pela idéia de doar a verba destinada ao novo prédio da Câmara dos Vereadores da Lapa para a reforma da Maternidade. Finalmente senti orgulho dos edis lapeanos.

Ano passado fui escalado para ministrar um curso em um ciclo de treinamentos para os técnicos da EMATER, prefeituras, agentes de financiamento, e outros interessados aqui no Piauí.

Na ocasião, estive num pequeno município no sul do estado, chamado Uruçuí. A cidade tem pouco mais de 20 mil habitantes, grande parte vivendo na miséria, todos concentrados na sede, e a área rural do município é praticamente o dobro da área da Lapa, para onde aos poucos chegam vários sulistas (aqui todos chamados de gaúchos) para plantar soja. Como não havia nenhum auditório na cidade, tivemos que utilizar a plenária da Câmara Municipal.

O primeiro impacto que tive foi a opulência da construção. Não que seja muito “chique” para os padrões do sul, mas destoava enormemente do padrão geral paupérrimo do município. Cada um dos nove vereadores tinha sua própria sala, com duas ante-salas para as secretárias.

Quando vi aquilo, não pude deixar de questionar: mas afinal, quantos funcionários têm essa câmara municipal? “Aproximadamente 150 funcionários, entre assessores, secretárias, officie boys, faxineiros e jardineiros”, veio a resposta proferida por uma moça de 14 anos incompletos, que cumpria expediente no lugar de sua mãe. Esta, por sua vez era concursada, mas como excelente confeiteira deixava sua filha cumprindo o seu expediente na Câmara para poder trabalhar em uma padaria local, assim garantia o recebimento de dois salários.

Algum tempo depois de voltar deste ciclo de treinamentos, recebi a notícia de que a Câmara Municipal da Lapa também estava querendo montar um novo prédio. Imediatamente me veio à mente a situação de Uruçui. Fiquei me questionando se o passo seguinte para os vereadores da Lapa seria também contratar 15 funcionários por edil… seria Uruçui o futuro de nossa brava e guerreira cidade?

Com amargura pelo que me pareceu um desperdício de dinheiro público, lembrei do período que estive na Lapa, antes das eleições, onde pude conversar com alguns candidatos.

Uma coisa que cobrei de todos que conversei foi a criação de uma lei municipal retirando totalmente o salário dos vereadores. Sim… sou a favor do não pagamento de nenhum salário aos edis do Brasil, e gostaria que a cidade que cresci desse o exemplo disso.

Na minha concepção desta lei, seria realizado concurso para 12 secretárias(os) fixos, sendo 6 destinados a assessorar os vereadores normais, e outros 6 aos vereadores componentes da mesa diretora. Isso profissionaliza a Câmara e elimina apadrinhamentos. A Câmara também contaria com uma assistente social – aprovada em concurso, para verificar, classificar e ordenar os pedidos de apoio oriundos da população carente – com isso iria acabar a história de pedir dinheiro a vereador para tratar da bezerra. Poderia ainda ter uma frota de talvez uns 2 ou 3 veículos (populares, é claro) para deslocar os vereadores quando fosse necessário que um ou mais deles fossem à capital.

Os únicos pagamentos que um vereador receberia seriam diárias pagas quando o edil comprovar que esteve a serviço da Câmara – neste caso, reembolsar-se-ia despesas de alimentação e hospedagem também – e talvez um reembolso por deslocamento para vereadores que não residam na zona urbana, mas algo tabelado e variável conforme a distância da sede do município até a comunidade onde o vereador reside.

Logicamente, nenhum dos candidatos que eu conversei sequer cogitou em levantar uma bandeira como essa que descrevi. O polpudo salário de um vereador é mais do que suficiente para esquecer que faltam recursos no município para coisas muito mais importantes. Não acompanhei depois das eleições, mas creio que nenhum nem citou a idéia em plenária.

Diante de tudo isso eu estava totalmente descrente de qualquer moralidade envolvendo qualquer casa legislativa municipal – a da Lapa inclusa. Até receber o pequeno grande e ler a matéria de capa: “Caso Maternidade(…)”. O ato da mesa executiva da Câmara não só deu alento para inúmeras mães que agora não precisam se deslocar tanto para darem à luz, como prestou um enorme serviço à sociedade lapeana. Como brinde, ainda renovou de tal forma minhas esperanças de que podemos esperar atos dignos vindos de alguns políticos desse município, que até me vi escrevendo este artigo.

O que falta para podermos coroar o legislativo lapeano com louvor pela sua ética, moral e humanidade é apenas a questão dos salários. Será que os vereadores topam discutir uma lei assim?

Dartagnan Gorniski é engenheiro florestal e engenheiro de segurança do trabalho, exímio tomador de chimarrão de Erva Legendária e assíduo leitor d’A Tribuna regional. Atualmente está numa briga danada tentando desenvolver o Piauí.

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