O trem-bala ainda não saiu da gare

Enfim, uma boa notícia. Ninguém apareceu. Por enquanto, o trem-bala permanecerá na gare. Os empresários, que não são bobos, acharam pouco os 34 bi avaliados pelo governo. Segundo eles, tocar a obra não sairá por menos de 50 bi. Parece que têm razão, pois não deve ser fácil escavar mais de 100 quilômetros de túneis.

O diminuto “bi”, que vem depois do 50 aí de cima, não transmite a verdadeira grandeza dos valores em discussão. Se eu tivesse escrito 50 bilhões, ainda assim não provocaria muito impacto. Para ser mais incisivo, usarei todos os zeros que a cifra contém: R$ 50.000.000.000,00. Isso mesmo. Excluindo os desprezíveis centavos, são 10 poderosos zeros. Sempre é bom lembrar que o orçamento do Ministério dos Transportes contem ainda outros atraentes zeros.

Esclareço que não foram as últimas notícias de corrupção no Ministério dos Transportes que me tornaram um crítico do trem-bala. Mas elas deram um empurrãozinho na decisão de expressar o que penso. O amplo leque sob a responsabilidade dessa estratégica Pasta reflete-se no seu orçamento e explica a atração que ela exerce sobre os políticos em geral.

O recente escândalo, envolvendo o ex-ministro Alfredo Nascimento, faz desconfiar que ele e seu time de confiança podem ter embolsado muito dinheiro ao longo dos mais dos 6 anos que ficaram por lá. Mesmo que o Supremo, mais uma vez, venha a concluir pela ausência de provas, todos os cidadãos sentem-se roubados.

Como desgraça pouca é bobagem, circula na internet (nem sempre confiável, é verdade) denúncia sobre o uso, pelo ministro afastado, de dinheiro público num affaire amoroso capaz de fazer até Derci Gonçalves ruborizar. Mas este é outro assunto e, além do mais, carente de comprovação.

Voltando ao trem-bala, a euforia causada pela boa notícia de ninguém ter aparecido foi imediatamente anulada pela persistência do governo, que já anunciou mudanças no modelo de licitação. Sua insistência aponta na direção dos cofres da união. Em tempos idos, empreendimentos desse porte seriam taxados de faraônicos. Hoje, não mais, embora existam inúmeras outras prioridades. Vou poupá-lo, caro leitor, de listar nossas carências nas áreas da saúde, educação, saneamento e segurança pública.

Tratarei apenas do igualmente carente setor dos transportes. Nele encontramos não só ferrovias, mas também aeroportos, rodovias, portos, metrôs e aquavias, estrangulando, como um gargalo, a movimentação de pessoas e cargas, diminuindo nossa competitividade, elevando preços, maximizando o custo Brasil e ceifando milhares de vidas a cada ano. Os 50 bi, com seus 10 zeros, resolveriam muitos desses problemas.

Resta perguntar: quem tem mais pressa? Alguns poucos privilegiados que irão do Rio a São Paulo em apenas uma hora e meia? Ou, por exemplo, a carga do trem que sai de Cascavel para, somente depois de 18 dias, chegar a Paranaguá? Não podemos esquecer que cargas significam emprego para milhões de brasileiros. Para preservá-los, o faraônico bala poderia esperar mais um pouco em sua luxuosa gare.

() General da Reserva, www.bonat.com.br

Please follow and like us: