Com uma lucidez incrível e uma conversa muito acolhedora, Dona Doca é conhecida e admirada na Lapa por sua vitalidade e simpatia.
Imagine a Lapa quando a cidade ia apenas do Santuário até o Cemitério Municipal, e da Rua Marechal Floriano até a Rua Coronel Dulcídio. Imaginou? Este foi o cenário que Dona Doca Dardaque encontrou aos 18 anos na Lapa, ao mudar-se de Santos-SP, vinda de mudança com toda a sua família.
A década era 1940, quando as coisas eram mais tranquilas, as pessoas se comunicavam por cartas, telefone ainda era um luxo, rádios somente existiam em casas de pessoas de posses e automóveis também eram sonhos para poucos. Mesmo assim, a família Dardaque, que vivia em uma próspera cidade portuária na Ilha de São Vicente, a conhecida Santos, em São Paulo, uma cidade que, naqueles dias já comportava aproximadamente trezentas mil pessoas, veio morar e fazer história na Lapa.
Os Dardaque, uma família tradicional árabe, comunidade muito unida em todo o país, se comunicavam por carta com seus amigos e familiares. Numa dessas comunicações apareceu a oportunidade de virem para a Lapa, mudando-se para onde hoje é a Loja Zarur. A mudança se deu a convite do conhecido comerciante da Lapa, Sr. Dib Manne, proprietário da Casa Carioca, que funcionava naquele local. O comerciante estava construindo uma filial em frente à antiga Panificadora Ferça (Panificadora Fachini) e, com isso, disponibilizou a antiga loja para os Dardaque em forma de aluguel para que ali trabalhassem com seu comércio e também como moradia.
A família veio de Santos e, nos primeiros momentos, conta Dona Doca, as diferenças foram grandes, afinal, mesmo naquela época, a cidade de origem já tinha sistemas modernos de captação de esgoto, calçamentos e comunicação enquanto a Lapa ainda não disponibilizava nada disso. As ruas eram de terra, os banheiros eram privadas e não havia rede de esgoto.
O choque foi grande para Dona Doca e a tristeza da saudade também. Ela conta que foram necessários alguns anos para que pudesse acostumar com a nova morada, devido à saudade da antiga cidade, dos amigos e das coisas que existiam por lá, mas, forte como uma rocha, afirma ela que nunca deixou transparecer para seus pais, para não entristecê-los.
A jovem menina que começou a trabalhar no comércio aos 11 anos de idade, hoje tem seus 91 anos e não deixa de abrir a loja de Armarinhos um dia sequer. “Tenho a saúde de uma moça de 18 anos”, afirma ela, ao contar dos exames realizados para um procedimento recente na vista.
Os pais de Dona Doca sempre foram comerciantes e ela conta que antes mesmo de ter altura prá ver por cima do balcão, já ajudava na venda. Mas os pais também eram rígidos e não deixavam os filhos soltos. Segundo ela, “mamãe não deixava a gente brincar, então a gente ficava olhando as outras crianças brincando de roda, de pega- pega e outras tantas brincadeiras e não podíamos ir com eles”. Ela afirma que sua educação foi muito rígida, ligada aos costumes da etnia árabe, mas com isso aprenderam muito e cresceram como pessoas íntegras e honestas.
Com os olhos distantes, Dona Doca, cujo nome de batismo é Ifdoquia Abdalla, conta que sua vida sempre foi uma luta muito grande, e que a vida foi passando e ela acabou enterrando quatro irmãos, a Rosa, o Abdala, o Alberto e o Antoninho. Ela ainda tem um irmão vivo, Jacob Dardaque, residente em outra cidade, mas lamenta “fiquei sozinha”, afirma a querida senhora, “e não posso parar de trabalhar, pois foi como meu pai me ensinou e sigo o que ele me ensinou até hoje, mesmo ele e mamãe já tendo partido há muito tempo”. A loja onde ela atende está localizada na Rua Barão do Rio Branco, ao lado da Agência do Trabalhador, e existe há aproximadamente 25 anos. Antes de ser uma loja de Armarinhos existia no local a empresa Foto Dardaque.
O Segredo da Dona Doca
Para viver bem, com lucidez e agilidade até esta idade, Dona Doca conta que sempre foi ativa e nunca deixou de fazer suas tarefas domésticas, além de sempre lembrar dos exercícios diários para manter a elasticidade dos braços e pernas. Também, segundo ela, um dos segredos é a alimentação baseada na cozinha árabe, muito saudável e repleta de nutrientes, com um cardápio que ela mesma prepara. Alguns pratos que ela citou são os tradicionais quibe, arroz com lentilha, arroz com grão de bico e abobrinha recheada. Somado a esta alimentação, Dona Doca afirma que o respeito às tradições e costumes familiares sempre mantém a pessoa bem. Mas um segredo ela não contou, nós mesmos notamos: Ela adora conversar e isso a mantém muito ativa e lúcida a todo tempo. Ela mesma nos confidenciou que não suporta ficar confinada, precisa estar em atividade.
Agradecemos a família Dardaque por fazer parte da história da Lapa e, em especial, à Dona Doca, por ser esta mulher guerreira e batalhadora, que serve de exemplo para todas as pessoas.
Nota do Autor:
Ao nos apresentarmos para a entrevista, Dona Doca, meio desconfiada, queria saber quem eu era. Falei que era Aramis José Gorniski, filho do Aramis do Jornal ao que ela retrucou sorrindo: “Conheci seu pai quando ele era um piazóte. Seu pai se dava muito com o Alceu Bley. O Alceu faleceu e ele começou o jornal. Teu pai era muito inteligente.”. O leitor pode imaginar a emoção que veio a tona neste momento.