Pois é, caro leitor. Ano passado fui professor em algumas escolas estaduais de nosso município, para crianças de sexta a nona série. O que mais me espantava era a quantidade de alunos problemáticos, que as escolas praticamente não sabiam como tratar, pois o problema destas crianças estava sempre em algum tipo de abandono familiar – ou um pai irresponsável, ou uma mãe ausente, ou uma família totalmente desestruturada, e assim por diante. Tive um aluno que não fazia nenhuma atividade e de quebra não deixava os colegas estudarem, e quando o chamei para uma conversa, tive a triste notícia de que ele não via vantagem em estudar, pois ninguém na sua casa valorizava suas conquistas.
Estes alunos problemáticos, que sim, são em grande número em nossas escolas, eram encaminhados para a equipe pedagógica, e ela, por sua vez, fazia os devidos registros e encaminhava para o Conselho Tutelar.
O curioso é que uma das pedagogas uma vez desabafou comigo que já estava fazendo o processo apenas por questões burocráticas, sem esperar solução, pois o Conselho Tutelar dificilmente conseguia resolver alguma coisa – várias vezes alegando falta de recursos e pessoal.
Percebam que temos problemas graves e reais em nossa cidade, que deveriam ser tratados com a maior seriedade, e que a estrutura estatal, neste caso representada pelo Conselho Tutelar, não está dando conta.
Mas mesmo assim, na última semana tivemos todo o staff do Conselho Tutelar mobilizado para – adivinhe só – auxiliar estes jovens com problemas familiares? Não. O conselho inteiro se mobilizou para fiscalizar uma festa de adolescentes. Na verdade, acabar com a festa.
Sim. A festa em questão era organizada pelo Grêmio Estudantil do Colégio Agrícola. Destaque no fato: NÃO ERA UMA FESTA DO COLÉGIO AGRÍCOLA. Era uma festa do Grêmio.
Questionei os estudantes sobre o ocorrido, e por um lado acho que a festa foi um sucesso. Isso porque do ponto de vista educacional, o objetivo era que os estudantes aprendessem a se organizar em equipes e superar obstáculos. Isso foi feito, em quase todos os aspectos. Mas ninguém contava com o Conselho Tutelar.
Em tempo, não conversamos com ninguém do conselho, e sabemos que a fiscalização de eventos para jovens menores de idade passa por suas atribuições. Questionamos porém a prioridade nas suas ações, e também a força aplicada numa situação simples.
O Grêmio já havia transferido a festa por duas vezes, uma por a data ser véspera de eleições, e a segunda por ser véspera de ENEM.
Finalmente iria acontecer no último sábado. Mas na quarta feira anterior à festa, o Conselho Tutelar comunicou o Colégio Agrícola (e não o Grêmio) sobre a necessidade de que todos os jovens tivessem autorização dos pais REGISTRADA EM CARTÓRIO. A direção pode repassar a informação aos estudantes na quinta feira a tarde, e estes divulgaram no facebook. Mas convenhamos, o prazo para se registrar firma em cartório ficou muito curto. Para piorar, segundo postagem do Clube 7 de Setembro que sediaria a festa, eles só foram comunicados poucas horas antes da festa.
Bem. O primeiro questionamento é se a Lei 13.726/18 que dispensa o reconhecimento de firma em qualquer documento apresentado para órgãos públicos não caberia neste caso, afinal, quem verificava o registro era o Conselho Tutelar, que é um órgão público.
Segundo que segundo alguns estudantes, alguns pais se alteraram (o que acho lógico – eu mesmo me alteraria se alguém barrasse meu filho, se ele estivesse autorizado por mim a ir em uma festa). Neste caso, o conselho chegou a ameaçar pais com multas de até R$ 10 mil. E claro, também segundo os estudantes, o próprio conselho insistiu que a festa fosse cancelada.
Nisto entram as perguntas: o conselho tem autoridade para ameaçar pais que estão cumprindo as leis? E tem autoridade para cancelar uma festa? E a mais importante pergunta: os seis integrantes do conselho que foram mobilizados para fiscalizar a festa não seriam melhor empregados fiscalizando a situação das crianças e adolescentes que realmente estão em situação de risco na cidade?
Com base em tudo isso, concluo que o Conselho tem mais poderes que as famílias e talvez até mais que as autoridades locais. Mas fico feliz em saber que se podem mobilizar tanta gente para uma simples festa, isso quer dizer que não temos mais problemas com crianças e adolescentes na Lapa.