“Quando jejuardes, não façais caras azedas como os hipócritas. Pois desfiguram seu rosto, para que apareçam perante o povo com seu jejum. Em verdade vos digo: eles têm sua recompensa. Mas quando jejuares, unge tua cabeça com óleo e lava teu rosto, para que não apareças perante as pessoas com teu jejum, mas unicamente perante teu Pai, que está oculto. E teu Pai que vê no oculto to recompensará publicamente”. Mateus 6.16-18.
A pessoa cristã, conformada com Jesus Cristo, reconhece a seu imperfeição na vivência da Palavra, o seu esmorecimento da e na disposição em servir, confessa que, às vezes, se torna culpada na vida alheia, em culpa alheia. Ela não camufla o seu esmorecimento na alegria quando é hostilizada, e que não é tão vital no orar, como gostaria. A pessoa cristã reconhece e confessa os seus pecados, concretamente. Ela ataca a sua carne pecaminosa, para, através de exercício corpóreo, jejum e oração – ver Lc 2.37; 4.2; Mc 9.29; 1 Co 7.5 –, estar melhor preparada para servir como um Cristo junto à pessoa próxima no conjunto da criação. Não vale a objeção autoindulgente de que a pessoa crente deve procurar o seu refúgio na fé, na Palavra e não na ascese. Esta objeção é cruel e sem força regeneradora. Que é a vida de fé senão a infinda, múltipla luta do espírito contra a carne? Como quererá alguém viver na fé, quando a vida de oração lhe é enfadonha, quando já perdeu o gosto pela Palavra das Escrituras? Mais. Se o sono, a comida, o desejo sexual sempre de novo lhe roubam a alegria em Deus?
Ascese é sofrimento por livre escolha, de fé em fé, e justamente por isso extremamente arriscada. Ela enfrenta, resolutamente, a carne autoindulgente. A ascese é assediada constantemente pelo impiedoso desejo piedoso de, via auto-sofrimento, colocar-se em igualdade com Jesus. Ela está implicitamente acompanhada da reivindicação de tomar o lugar do sofrimento de Cristo. Só o Espírito pode matar o velho homem em nós com todos os seus vícios e maus desejos. A ascese auto-justificada arroga-se de poder substituir a seriedade da amarga e última obra salvífica de Cristo em nosso favor. Aí a ascese se expõe publicamente com dureza horrível. O sofrimento espontâneo da fé que, baseado no sofrimento de Cristo, deveria apenas preparar para melhor servir, para maior humilhação, transforma-se então em horrenda caricatura do próprio sofrimento de Cristo. Agora faz questão de ser visto; é a cruel e viva acusação da pessoa próxima, pois tornou-se caminho de salvação. Com tal publicidade auto-inovada, de fato, já recebeu a recompensa: a glória perante as pessoas.
“Unge a cabeça e lava o rosto”, poderia proporcionar ensejo para gozo ou glória própria ainda mais refinada. Mas isso seria uma interpretação caricaturizante. Jesus, porém, diz às pessoas discípulas, de então e de hoje, que permaneçam bem humildes nos espontâneos exercícios da humildade, que os não imponham a ninguém como repressão ou lei, antes que se tornem gratos/as e alegres no SENHOR por terem a oportunidade de permanecer no serviço de Cristo. Não estamo-nos referindo à fisionomia alegre da pessoa discípula como sendo a cristã típica, mas sim à verdadeira abscondidade da ação cristã, à humildade que não tem ciência de si mesmo como o olho não vê a si mesmo, mas apenas o outro. Tal abscondidade será, um dia, revelada, mas somente por Deus, jamais por si mesma.
Certamente, de fé em fé, se faz necessário redescobrir, a importância do jejum. Amém. Porque, se alguém alimenta sua carne com incredulidade, luxúria, lascívia, avareza, altivez, prepotência, tal pessoa, quer queira quer não, alimenta um inimigo perigosíssimo na própria.