6. A felpa no olho

Jesus Cristo, discipulando, disse: “Por que vês a felpa no olho de teu irmão e não percebes a trave em teu olho? Ou como ousas dizer a teu irmão: espera, quero tirar a felpa de teu olho, enquanto há uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, depois vê como tirar a felpa do olho do irmão” – Mt 7.3-5.

Se, no julgamento, de fato eu visasse a destruição do mal eu o procuraria ali onde de fato ele me ameaça, ou seja, em mim mesmo. Enquanto, porém, procuro o mal no outro, fica evidente que, neste julgar, busco a justificação própria, que quero ficar impune no meu próprio mal enquanto, autoindulgente, julgo o outro. A razão que nos leva a julgar é a mais perigosa autoilusão que acha que para mim a Palavra de Deus vale de modo diferente do que para o outro. Estabeleço um direito especial, dizendo: para mim vale o perdão, para o outro, o juízo. Como, porém, os discípulos não recebem de Jesus um direito especial próprio o qual poderiam reivindicar para si em relação a alguém outro, como nada recebem a não ser sua comunhão agraciadora, por isso o julgamento é proibido ao discípulo como arrogar-se a um direito falso sobre o outro. Mas não somente o julgamento é proibido aos discípulos; a anunciação do perdão igualmente tem seus limites. O discípulo de Jesus não tem o direito nem o poder de impingir, sem critério, a palavra da graça divina a qualquer um a qualquer hora. Toda insistência, correr atrás do outro, o proselitismo, toda tentativa de convencer o outro por força própria, tudo isso é vão e perigoso. Vão porque os porcos não reconhecem as pérolas que se lhes atira; perigoso, pois desta forma a palavra do perdão está sendo dessacralizada, e o outro, ao invés de lhe servir, está sendo induzido a pecar contra as coisas sagradas. E mais: os discípulos pregadores se expõem ao perigo de sofrerem dano da parte da fúria cega dos endurecidos e obcecados, sem necessidade e sem proveito. A dissipação da graça barata enfastia o mundo, pós queda de Adão e Eva em pecado. Assim, afinal, o mundo acaba voltando-se violentamente contra os que lhe querem anunciar o que não deseja. Isso significa para o discípulo uma séria restrição de suas atividades, o que, aliás, corresponde às instruções de Mt cap. 10: sacudir dos pés o pó onde a palavra da (P)paz é rejeitada. A atividade febril dos discípulos que não considera resistência nenhuma, confunde a Palavra do Evangelho com uma ideia gloriosa. A ideia precisa de fanáticos que não respeitam nenhuma resistência. A ideia é forte. A Palavra de Deus, porém, é tão fraca que se sujeita ao desprezo e à rejeição. A Palavra encontra corações endurecidos e portas fechadas, e ela reconhece o direito de ser desta resistência e a suporta. Isso é um reconhecimento mui amargo: a ideia não conhece impossíveis, o Evangelho, porém, os conhece. A Palavra é mais fraca do que a ideia. Todavia, nesta fraqueza os discípulos estão livres do doentio dessossego dos fanáticos, pois sofrem com a Palavra. Os discípulos podem ceder, podem fugir, desde que cedam e fujam com a Palavra, desde que sua fraqueza seja a fraqueza da própria Palavra, desde que não abandonem a Palavra nesta fuga. Pois não passam de servos e instrumentos da Palavra e não podem querer ser fortes quando a Palavra é tão fraca. Se a todo custo e com todos os recursos quiserem impor ao mundo a Palavra, estariam transformando a Palavra de Deus numa ideia, e com muita razão o mundo se oporá a uma ideia que de nada lhe adianta. Como as testemunha fracas pertencem àqueles que não cedem, mas permanecem – permanecem com a Palavra. Os discípulos que desconhecem esta fraqueza da Palavra, ainda conhecem o mistério da humildade de Deus. Esta Palavra fraca, que sofre a oposição dos pecadores, é a Palavra forte e misericordiosa que converte pecadores, ouvintes crentes da Palavra, do fundo do coração. Sua força está oculta na fraqueza. Aliás, se a Palavra viesse a nós em poder irrestrito, estaríamos em face do juízo derradeiro. Nisso consiste a grande tarefa dos discípulos – reconhecer o limite de sua missão. O abuso da Palavra, porém, fará com que ela se volte contra eles.

 

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Pastor Airton Hermann Loeve

Pastor Airton Hermann Loeve – Igreja Evangélica da Confissão Luterana no Brasil (IECLB) – Lapa/PR.
Entre em contato com Pastor Airton Hermann Loeve: pastor.air.ton@hotmail.com