A pureza do coração, somente, Deus gera, concede e sustenta, se Lhe aprouver, pelos Meios da Graça, embora, exteriormente, a pessoa esteja coberta de fuligem e poeira preta igual carvão, realizando toda sorte de serviço que a suja a tal ponto que só se reconhece – e olha lá – a cor dos olhos e dos dentes. Um coração puro ninguém auto conquista ‘escalando’ ao céu ou correndo para o mosteiro ou ao deserto para expulsar o ‘mundo’ do coração.
Tomemos cuidado com todas as ideias auto adquiridas e auto justificadas sem amparo na Palavra de Deus quando se trata do que é um coração puro e em que ele consiste. As ideias próprias auto dadas no que tange a um coração puro, devemos considerar como se fossem puro chorume e imundície infecciosa. Porquanto o isolamento das pessoas não gera um coração puro, mesmo que, como no convento, uma pessoa fique sentada na mais ‘sublime’ contemplação, meditando em seu Deus como ela própria o pinta e imagina, querendo expulsar o ‘mundo’ de seu coração. Em resumo: auto conquistar um coração puro no qual o ser humano é o agente, sem amparo na Palavra de Deus, é pura mentira mágica e ilusão infantil.
Um coração puro é aquele que observa e pondera, pela fé, o que Deus diz e tem os seus pensamentos substituídos, mediante a ação do Espírito Santo, pela Palavra da Verdade. Não é, portanto, o deserto e nem o estado monástico, que suscitam ou geram um coração puro. O antropocentrismo não alcança pureza de coração, mas, sim, a ação teocêntrica de Deus, porque é a Palavra dEle, se Lhe aprouver, por graça mediante a fé em Jesus Cristo, que purifica o coração. A Palavra de Deus torna puro tudo o que nela se prende e acontece segundo ela, por graça mediante a fé em Jesus Cristo. Eis porque uma pessoa, sentada em sua casa, junto com a sua família, mesmo que tentada o mais possível pela carne, mundo e diabo, ou ainda sujíssima de fuligem e cheirando mal de suor em virtude do exercício de seu trabalho e profissão, quando pensa: Deus me criou homem e me deu e confiou meu lar, minha mulher piedosa e meus filhos piedosos, e me ordenou amar e sustentar a ela e a eles com meu trabalho honeste e honroso, etc. – este, sim, pondera a Palavra de Deus em seu coração, que, por sua vez, purifica o coração. Tal pessoa, embora fedesse exteriormente, interiormente, é puro ‘bálsamo’ para Deus e Seus anjos. Se ela, todavia, alcança a sublime pureza via ministério da Palavra e Meios da Graça, de modo que também capte e busque o Evangelho e creia em Cristo – sem a qual semelhantemente aquela pureza não pode existir – então ela é inteiramente pura, tanto interiormente, no coração, perante Deus e Seus anjos – repito, em parte –, quanto exteriormente perante tudo o que está sob os seus cuidados e mordomia na terra. Assim, tudo o que ela vivencia e faz, tais como: caminhar, descansar, comer, beber, etc., é puro para tal pessoa, pela fé, e nada pode torná-la impura, também não quando olha para a sua esposa despida, ou a acaricia, como fez o patriarca Isaque em Gênesis 26.8. Isto, contudo, para uma pessoa que quer auto alcançar a pureza do coração é repugnante e impuro. Se uma pessoa crente em Jesus Cristo, dadivada pelo Espírito Santo, com um coração puro, abandonasse a sua esposa e tomasse outra, ou abandonasse a sua profissão ou o seu ofício e fosse por meio disso prejudicar outras pessoas ou incomodá-las, etc., então já não seria mais puro o coração, porquanto isso seria contra o mandamento e a vontade de Deus.
Em suma: se uma pessoa permanecer nestes dois artigos doutrinários, a saber: na Palavra da Verdade, pela fé em Cristo, que purifica o coração; e na palavra da compreensão pura da Vontade de Deus, que discerne corretamente Lei e Evangelho, que lhe ensina o que deve ou não fazer à pessoa próxima em seu estado, tudo lhe é puro, embora trabalhe com as mãos e o corpo todo na sujeira, o mais possível. Todos os anjos de Deus ‘sorriem e olham’ para a pessoa com coração puro, em Igreja e Sociedade, com prazer. [Segue na próxima edição].
