DO DIZER A VERDADE

Como a minha palavra se torna verdadeira? Resposta: A) Reconhecendo quem me leva e o que me autoriza a falar; B) Reconhecendo o lugar onde estou. C) Colocando neste contexto a matéria sobre a qual me manifesto. Essas definições incluem a suposição tácita de que toda manifestação obedece a certas condições. Não acompanha, em fluxo constante, o decurso natural da vida, mas tem seu lugar, sua hora, sua tarefa e, com isso, seus limites.

Que ou quem me autoriza ou faz com que eu fale? Quem fala sem autorização e motivo é tagarela. Como em toda palavra sempre se trata de dupla relação, para com a pessoa semelhante e para com o assunto, essa relação deve ficar evidente em cada palavra; uma palavra que carece de relação é vazia; não contém verdade. Aqui temos uma diferença substancial entre pensar e falar. O raciocínio não tem, necessariamente, uma relação com o/a semelhante, mas somente uma matéria. A pretensão de poder dizer o que se pensa é, em si mesma, completamente, descabida. Para que eu fale há necessidade de que outro/a me dê a justificativa e o motivo para fazê-lo. Um exemplo: em meus pensamentos, posso considerar uma pessoa um/a bobo/a, feio/a, incapaz, sem caráter, ou então inteligente e de boa índole. Bem outra coisa, no entanto, é se tenho o direito e o que me dá o motivo para dizer isso e a quem eu o digo. Não há dúvida que do ofício – o pastoral, no meu caso – que me foi confiado e do qual sou incumbido pela comunidade nascida da Palavra nasce o direito – a incumbência – de falar, não, porém, como ‘flauta comprada’. Os pais podem repreender ou elogiar o seu filho / a sua filha, mas, este/a, por sua vez, muitas vezes, não tem direito a nenhuma dessas atitudes em relação aos pais. Situação semelhante nós temos entre professor/a e alunos/as, muitas vezes, se bem que os direitos do/a professor/a há de se ater, tanto na crítica quanto no elogio, a determinados deslizes e méritos, enquanto juízos abrangentes em questões de caráter não cabem ao professor / à professora, mas ao pai e à mãe. A competência de falar sempre está dentro dos limites do ofício concreto que me incumbe. Quando esses limites são transpostos de modo arbitrário, a palavra se torna molestadora, arrogante, crítica em sentido mau; elogiando, ofensiva, irreal. Há pessoas que se auto justificam chamadas para “dizer a verdade”, a qualquer um/a que encontrem em seu caminho. Já outras que honesta, legítima e verdadeiramente são chamadas, vocacionadas e incumbidas a proclamar a verdade de Deus em nosso favor mediante Jesus Cristo. Tais vivificam, inspiram, transformam, curam, saram, restauram, libertam, humanizam, exorcizam, expurgam todos os inimigos espirituais, por ação do Deus Espírito Santo, de quem lhes dá ouvidos crentes, agora e já já, onde e quando aprouver a Deus, por graça mediante a fé. Enfim, há palavra que cria, recria, transforma, torna bem-aventurado/a quem crê no seu conteúdo; e, consequente, condena e rejeita a mentira e o pai dela, o diabo.

Veracidade não quer dizer que tudo que existe tenha que ser exposto. Deus mesmo fez roupas para o ser humano – Gênesis 3.21. Isto é, in statu corruptionis, muitas coisas devem ficar ocultas no ser humano depois da queda em pecado, e o mal, já que não se pode extirpá-lo, deve, ao menos, ficar encoberto; expô-lo é um ato de cinismo. Ainda que o/a cínico/a se tenha por especialmente honesto/a e apareça como fanático/a da verdade, ele/a ignora a verdade decisiva de que, desde a queda em pecado, deve haver também ocultação e mistério. Por vezes, o melhor a fazer, é renunciar penetrar na ocultação das pessoas e só analisar de fora, cautelosamente, com amor e compaixão, perdão e misericórdia, intercessão e clamor, súplica e lamento, o ser humano, mas não de dentro, porque, em verdade, em última análise, somente Deus conhece os segredos ocultos do coração, que não raro é uma fábrica de ídolos, ‘deuses’, fé, culto, teologia, piedade auto justificadas. Por isso mesmo, a meu ver, dizer a verdade, não raro, significa: dizer como algo realmente é, isto é, respeitando o mistério, a confiança, a ocultação. E, o que está oculto só deve ser revelado na confissão dos pecados diante de Deus, mediante Jesus Cristo, que pode concede ou reter o perdão.

 

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Pastor Airton Hermann Loeve

Pastor Airton Hermann Loeve – Igreja Evangélica da Confissão Luterana no Brasil (IECLB) – Lapa/PR.
Entre em contato com Pastor Airton Hermann Loeve: pastor.air.ton@hotmail.com