Jesus veio, se apresentou e abrindo a boca disse, sem rodeios: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” – Mt 5.43-48.
Esta citação que Cristo indica aqui não se encontra como tal em um só lugar do Antigo Testamento, mas suas partes se encontram espalhadas cá e lá no livro de Deuteronômio, ditas ao povo de Israel contra os seus inimigos ao redor: Moabe, Amom, Amaleque – Dt 2.34; 3.2 e, especialmente, 7.1-5; 25.19. Embora não fosse dito expressamente que deveriam odiar os seus inimigos, isso se deduz do que diz em Dt 23.6: que jamais deveriam fazer qualquer bem aos amonitas e moabitas e a outros inimigos seus, nem lhes desejar felicidade nem sucesso, etc. Aí, com efeito, fizeram-se muitas concessões aos judeus e se lhes deu amplo espaço, e disso fizeram amplo uso autojustificado e autoindulgente. Pois assim, em outras partes, também aqui, eles não entenderam as coisas corretamente; foram muito além e abusaram dessas passagens a seu bel-prazer. Por isso, Cristo as interpreta aqui de outro modo e lhes mostra a compreensão correta da lei, que eles deixaram de lado, escolhendo, em seu lugar, versículos que, aparentemente, soavam de maneira a confirmarem as suas frivolidades descrentes.
Aqui, novamente é preciso que nós observemos a diferença: primeiro, que Cristo fala unicamente daquilo que as pessoas cristãs devem fazer como cristãs, especialmente, por causa do Evangelho e de seu cristianismo, que não faz acepção de pessoas. Portanto, se alguém me odeia, me detesta, injuria ou persegue por causa de Cristo e do Reino dos céus, eu não devo responder com ódio, perseguição, injúria e maldição. Devo, sim, amar, fazer o bem, abençoar e interceder por essa pessoa, porque um cristão é alguém, por graça e fé, que não conhece ódio ou inimizade contra ninguém, não carrega ira ou desejos de vingança em seu coração, e, sim, somente amor, mansidão, benefícios que são, também, características do próprio SENHOR Cristo e Seu Pai celestial, que Ele coloca aqui como exemplo.
Agora surge a pergunta: que dizer a respeito do fato de que se lê, com frequência, na Escritura, que também as pessoas santas amaldiçoaram seus inimigos, inclusive o próprio Cristo e Seus apóstolos? Acaso, pode-se chamar isso de amar e abençoar os inimigos? Ou como posso amar quem, com seu ensino e pregação autojustificada, me priva do Evangelho e de Cristo e de Seus méritos, e com razão, se faz digno de ser injuriado e amaldiçoado, diariamente? A resposta mais simples e concreta é: Se alguém o faz, tal pessoa o faz em virtude do fato de que o ministério da pregação não é nosso e, sim, de Deus, que não quer que nós, no tempo da Graça, sejamos privados/as dos Meios da Salvação, pelos quais podemos ser salvos/as do pecado, da morte, do diabo, do inferno e de todo o mal, contanto, que creiamos em Jesus Cristo, o nosso único e suficiente remidor e propiciador junto a Seu Pai. O que, porém, é de Deus não somos nós, enquanto gente serva e cooperadora junto à pura pregação e correta administração dos Meios da Graça, que o efetuamos, mas é Ele mesmo que o efetua através da Palavra e do ministério da reconciliação, como Sua própria dádiva e modo de nos notificar ao arrependimento e à fé em Jesus Cristo. Porquanto, o próprio Deus, mediante Seu Filho Unigênito e Seus méritos em nosso favor, não quer que nós sejamos gente perdida, cá e eternamente, em razão da nossa impenitência e incredulidade. [Segue.]
