Jesus Cristo, que não deslegitimiza toda e qualquer preocupação, por amor, disse: “Por isso vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida, quanto ao que havereis de comer e beber. Também não vos preocupeis com o vosso corpo, quanto ao que havereis de vestir. Acaso a vida não é mais que a comida, e o corpo não é mais que a roupa?” – Mt 6.25.
Existe, em Igreja e Estado, bem como na economia doméstica, preocupação necessária e legítima. Pois o Estado, com suas autoridades, no regime secular, tem que velar pela boa ordem, conforme o exige seu ofício. Por sua vez, a gente súdita, em atitude ‘principesca’, por amor às pessoas do seu município, estado e nação devem preocupar-se com a leal prestação da obediência e com o cumprimento de seu dever; os empregados e as empregadas devem estar preocupados com o serviço dedicado a seus patrões e protegê-los contra prejuízos, etc. No entanto, não é desta preocupação que Cristo fala aqui, pois trata-se de uma preocupação inerente ao ofício, que deve ser distinguida claramente da ganância. Pois esta preocupação não pensa em si mesma, e, sim, está preocupada com a gente próxima. Não procura seus próprios interesses, pelo contrário, é capaz de negligenciá-los para servir a outro, de modo que se pode, com razão, chamá-la de preocupação do amor, uma preocupação divina e cristã; não uma preocupação com suas próprias vantagens ou com o Mâmon, ambas opostas à fé e ao amor. Essa preocupação é a que impede a preocupação de ofício. Pois quem ama o dinheiro e procura seu próprio proveito não se preocupará muito com a gente próxima nem com seu desempenho no ofício voltado ao semelhante. Isso se viu, por vezes na Igreja, que, por amor ao Mâmon, em nada se preocupava com o pastoreio correto das almas. Sua única preocupação era que o mundo inteiro lhes trouxesse bastantes doações, e o que não lhes rendia dinheiro eles simplesmente deixaram de lado, de modo que não se rezava um Pai nosso por outro, de graça. Um pregador do agrado de Deus, porém, tem somente uma preocupação: exercer corretamente seu ministério, para a salvação das almas; não lhe importa se não ganhar muito com isso e, inclusive, tenha que sofrer toda sorte de adversidade, ser mordido ‘por cobras’, ter o mundo e o diabo por inimigos. Ele confia que Deus lhe providenciará o sustento, etc., e consola-se com outro tesouro – por amor do qual faz tudo isso – naquela vida, que é tão grande que todas as desgraças que sofre nada são em comparação a ele – Rm 8.18.
Depois de Jesus Cristo haver proibido essa preocupação gananciosa e a adoração do Mâmon como idólatras e que produz inimigos de Deus, continua e aduz muitos ditos, exemplos e ilustrações, para nos tornar a ganância tanto mais repugnante, pintando-a de modo tão escandaloso que gostaríamos de cuspir nela. Começa dizendo: “Acaso a vida não é mais que o alimento”?, etc. Isso significa: vocês podem e devem confiar sua vida, corpo e alma às mãos de Deus. Não está no poder de vocês preservá-los por uma hora sequer. Por que então são tão loucos que não querem confiar às Suas mãos as necessidades de seu corpo, que Ele lhes providenciará comida e bebida? Acaso pode-se imaginar loucura maior do que esta, que alguém se preocupa desesperadamente de onde tirar comida e bebida, e não se preocupa de onde tirar corpo e vida ou como preservá-los por uma hora? É como se alguém estivesse preocupado com a rica decoração de sua casa, mas não tivesse ninguém para morar nela; ou como alguém que prepara muitos pratos e bolos deliciosos na cozinha, mas não há ninguém que os queira comer. A mesma coisa nós fazemos, não raro, com nossa ganância: No geral, providenciamos as coisas insignificantes, mas jamais pensamos nas coisas grandes: as celestes e eternas – perdão dos pecados, vida e salvação. Isso se chama, com certeza, uma preocupação verdadeiramente inútil e desnecessária, sim, uma preocupação tola e vã. Ou?
