Jesus Cristo, que quer conformar a nossa fé, teologia, culto, piedade, ordenou: “Tomai cuidado com vossas esmolas, para que não as deis perante as pessoas, para que sejais vistos por elas. Do contrário, não tereis recompensa junto a vosso Pai no céu. Ao dares esmolas, não mandes tocar trombetas a tua frente, como fazem os hipócritas nas escolas e nas ruas, para serem glorificados pelas pessoas. Em verdade vos digo: eles já receberam sua recompensa. Tu, porém, ao dares esmola, não permitas que tua mão esquerda saiba o que faz tua direita, para que tua esmola permaneça em segredo, e teu Pai, que vê em segredo, to recompensará publicamente” – Mt 6.1-4.
Jesus Cristo convoca as pessoas ouvintes dEle, de então e do presente, à reflexão e ao auto exame à luz de Seu Evangelho. Pois o visível deve ficar invisível; o visível não deverá ser visto. O cuidado por nossa justiça diante de Deus, que conhece os segredos e as intenções dos corações, deve ir no sentido de não nos preocuparmos com ela. O discipulado de Jesus deverá ficar tão somente no discipulado e olhar para aquEle que vai adiante dele e não para si mesmo e para o que faz. O seguidor de Cristo, de fé em fé, é oculto para si mesmo em sua justiça.
À abscondidade corresponde o reconhecimento público. Não há oculto que não seja ou venha a ser revelado. Isso procede de Deus perante O qual todas as coisas ocultas a nós seres humanos já estão reveladas. Deus quer revelar-nos o oculto, torná-lo visível. O reconhecimento público é o salário da abscondidade instituído por Deus. Resta saber de onde e de quem o ser humano recebe esta publicidade por salário. Buscando-a diante das pessoas, ele já tem a sua recompensa. Não importa se a busca se dá na forma grosseira do reconhecimento público farisaico, ou na forma mais sutil do reconhecimento perante si mesmo, o da fé auto justificada. Onde a mão esquerda sabe o que a direita faz; onde eu revelo a mim mesmo o bem oculto; onde tento tomar ciência do bem próprio, preparo-me a mim mesmo a recompensa pública que Deus me havia reservado. Assim eu revelo a mim mesmo o oculto. Não aguardo que Deus mo revele. Assim já tenho a minha recompensa. O bem que permanece na abscondidade perante si mesmo até o fim, receberá a recompensa da revelação da parte de Deus. Quem consegue viver de tal forma a praticar o extraordinário em secreto? que a mão esquerda não saiba o que a direita faz? que amor seria este que não tem consciência de si, mas que permanece em secreto perante si mesmo, até o dia derradeiro? É evidente: Por ser amor oculto, não poderá ser uma virtude, um hábito do ser humano.
“Tomai cuidado” – diz Cristo – para não confundirdes o amor verdadeiro com alguma virtude gentil, com uma ‘qualidade’ humana! Pois o amor, que tem o Espírito Santo como sujeito e agente, é o amor que a si mesmo se esquece, pela fé. Nesse amor, que a si mesmo se esquece, pela graça, deve o velho ser humano morrer com todas as suas virtudes e qualidades concupiscentes. No amor que a si mesmo se esquece, comprometido apenas com Cristo e Seu Evangelho, morre o velho Adão / a velha Eva. Com a frase: “ignore a tua mão esquerda o que faz a tua direita”, Jesus Cristo proclama a morte do velho ser humano, pecador, por natureza.
O amor a Jesus Cristo e Seu Evangelho, como obra da obediência simples, de fé em fé, é a morte segundo o velho ser humano, não transluzido pelo Espírito Santo. Ele, pela Palavra, faz a pessoa crente nEle, se reencontrar na justiça dEle, que coloca, vitaliciamente, em comunhão com Deus Pai, não pelas obras, méritos, dignidades, esmolas. Pois já não é ela que vive, mas Cristo é que vive nela, por graça e fé. O amor verdadeiro do Cristo em nosso favor que entrega à morte o velho ser humano é o que vive e age na pessoa seguidora. Daí por diante encontra-se somente em Cristo e na pessoa feita irmã em virtude da obra da salvação.
